Há um filme-documentário sobre a ocupação da herdade da Torre Bela, que tem uma cena de antologia: um dos cabecilhas da ocupação tenta convencer um jornaleiro a entrar para a cooperativa; o pobre homem só tem de seu umas miseráveis ferramentas agrícolas (duas enxadas, uma pá...) mas, mesmo assim, resiste a entregar aquela escassa riqueza. O outro bem o tenta convencer: "entregando as tuas coisas, continuas a ser dono delas, porque isto passa a ser de todos". A cena é curta mas parece prolongar-se indefenidamente, com a argumentação do cooperativista a embater pesadamente no silêncio do trabalhador.
Sempre achei que aquela cena traduz a verdadeira natureza do confronto que marcou aqueles tempos: não a esquerda contra a direita, não o comunismo contra o capitalismo, mas sim uma racionalidade verbalizada e politizada, contra uma sabedoria inata, conservadora, silenciosa. O tempo passa e acaba por dar razão a esta última.
Creio que é o mesmo filme e a mesma cena que são recordados assim por Frederico Duarte Carvalho no "Para mim tanto faz":
«É um documentário sobre a ocupação da herdade de Torre Bela, com cenas únicas. Aquele diálogo de "a tua pá é nossa, ó pá!", é de antologia... A primeira (e última) vez que vi este documentário foi há 10 anos, em Abril de 1994, num quarto de hotel em Cannes. Passou no canal franco-germano "Arte" e fiquei a absorver aquelas imagens e sons completamente novos para a minha mente. Nunca as tinha visto em Portugal. Nunca mais as vi depois. Foi nessa altura que comecei a questionar-me sobre o 25 de Abril...»Referindo-se a este documentário, Eduardo Cintra Torres escreveu:
«As imagens sempre espantosas de camponeses da Torre Bela experimentando roupas ricas dos patrões, remexendo-lhes as gavetas com um misto de culpa, curiosidade e desejo, mas sem inveja; a reunião do MFA na Torre Bela, instigando (por escrito) os camponeses a criarem a sua própria legislação revolucionária, isto é, empurrando-os para a ocupação.»Alguns dados políticos sobre esta ocupação original (influenciada pela LUAR, não seguiu o modelo do PCP) encontram-se aqui.
Sobre a Torre Bela existem dois documentários: um de 1975, realizado por Luís Galvão Teles, e outro de 1977 (mas talvez filmado em 1976), realizado por Thomas Harlan, e não estou certo a qual dos dois pertence a cena a que me refiro.
Sobre esta herdade e esta ocupação foram escritos dois livros:
(Este assunto surgiu por causa de um interessante debate sobre cooperativas no Semiramis.)
4 comentários:
Se não me falha a memória, julgo que a Thomas Harlen.
E é uma obra poética até. Uma verdadeira obra de arte, quase que tirada da pena do genial José Vilhena.
A cena referida é do documentário do Thomas Harlan.
O filme completo foi editado em DVD pelo Público, aquando dos 30 anos do 25A (ou seja, em 2004), juntamente com outros documentários feitos por estrangeiros em Portugal, no periodo 1974/75.
Na RTP2 já passou várias vezes um documentário que sintetiza e junta vários desses filmes, além de outros. Esse filme tem como mote a descoberta de um arquivo de imagens inéditas da agência Magnum sobre o Portugal do verão Quente.
Curiosamente, está (ainda estará?) a passar no CCB, integrado na exposição Espelho Meu, que tb tem esse objectivo: mostrar algumas dessas fotografias da Magnum.
Alguém me sabe dizer qual a possibilidade de adquirir o referido documentário.
alguém sae como posso adquirir este DVD?
rhfeio@gmail.com
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