quarta-feira, agosto 03, 2005

Torre Bela


Há um filme-documentário sobre a ocupação da herdade da Torre Bela, que tem uma cena de antologia: um dos cabecilhas da ocupação tenta convencer um jornaleiro a entrar para a cooperativa; o pobre homem só tem de seu umas miseráveis ferramentas agrícolas (duas enxadas, uma pá...) mas, mesmo assim, resiste a entregar aquela escassa riqueza. O outro bem o tenta convencer: "entregando as tuas coisas, continuas a ser dono delas, porque isto passa a ser de todos". A cena é curta mas parece prolongar-se indefenidamente, com a argumentação do cooperativista a embater pesadamente no silêncio do trabalhador.

Sempre achei que aquela cena traduz a verdadeira natureza do confronto que marcou aqueles tempos: não a esquerda contra a direita, não o comunismo contra o capitalismo, mas sim uma racionalidade verbalizada e politizada, contra uma sabedoria inata, conservadora, silenciosa. O tempo passa e acaba por dar razão a esta última.

Creio que é o mesmo filme e a mesma cena que são recordados assim por Frederico Duarte Carvalho no "Para mim tanto faz":
«É um documentário sobre a ocupação da herdade de Torre Bela, com cenas únicas. Aquele diálogo de "a tua pá é nossa, ó pá!", é de antologia... A primeira (e última) vez que vi este documentário foi há 10 anos, em Abril de 1994, num quarto de hotel em Cannes. Passou no canal franco-germano "Arte" e fiquei a absorver aquelas imagens e sons completamente novos para a minha mente. Nunca as tinha visto em Portugal. Nunca mais as vi depois. Foi nessa altura que comecei a questionar-me sobre o 25 de Abril...»
Referindo-se a este documentário, Eduardo Cintra Torres escreveu:
«As imagens sempre espantosas de camponeses da Torre Bela experimentando roupas ricas dos patrões, remexendo-lhes as gavetas com um misto de culpa, curiosidade e desejo, mas sem inveja; a reunião do MFA na Torre Bela, instigando (por escrito) os camponeses a criarem a sua própria legislação revolucionária, isto é, empurrando-os para a ocupação.»
Alguns dados políticos sobre esta ocupação original (influenciada pela LUAR, não seguiu o modelo do PCP) encontram-se aqui.

Sobre a Torre Bela existem dois documentários: um de 1975, realizado por Luís Galvão Teles, e outro de 1977 (mas talvez filmado em 1976), realizado por Thomas Harlan, e não estou certo a qual dos dois pertence a cena a que me refiro.

Sobre esta herdade e esta ocupação foram escritos dois livros:
  • de Helga Novak, "Die Landnahme von Torre Bela", Rotbuch, Berlin, 1976;
  • de Francis Pisani, "Torre Bela, On a tous le droit d'avoir une vie" - Simoën, Paris, 1976;

    (Este assunto surgiu por causa de um interessante debate sobre cooperativas no Semiramis.)
  • 4 comentários:

    Anónimo disse...

    Se não me falha a memória, julgo que a Thomas Harlen.

    E é uma obra poética até. Uma verdadeira obra de arte, quase que tirada da pena do genial José Vilhena.

    JPC disse...

    A cena referida é do documentário do Thomas Harlan.

    O filme completo foi editado em DVD pelo Público, aquando dos 30 anos do 25A (ou seja, em 2004), juntamente com outros documentários feitos por estrangeiros em Portugal, no periodo 1974/75.

    Na RTP2 já passou várias vezes um documentário que sintetiza e junta vários desses filmes, além de outros. Esse filme tem como mote a descoberta de um arquivo de imagens inéditas da agência Magnum sobre o Portugal do verão Quente.

    Curiosamente, está (ainda estará?) a passar no CCB, integrado na exposição Espelho Meu, que tb tem esse objectivo: mostrar algumas dessas fotografias da Magnum.

    Anónimo disse...

    Alguém me sabe dizer qual a possibilidade de adquirir o referido documentário.

    Anónimo disse...

    alguém sae como posso adquirir este DVD?
    rhfeio@gmail.com