segunda-feira, agosto 08, 2005

Fraco jornalismo

A propósito dos estudos sobre a localização do novo aeroporto na Ota, o Diário de Notícias on-line apresenta a seguinte curta notícia:
«Por falta de análises e relatórios o Governo não tem razões para não fazer o novo aeroporto da Ota. Segundo o Ministério das Obras Públicas, já existem 70 estudos sobre a localização. Deverá havê-los para todos os gostos. Por isso, o Governo não se cansa de referir documentos que justificam a existência do novo aeroporto. Resta saber em quanto é que já vai a factura dos estudos encomendados pelos sucessivos executivos. Sem se ver obra.»
Notícia que me suscita vários comentários:

  • Começa por não parecer uma notícia - assemelha-se mais a um parágrafo de um artigo de opinião;

  • o texto dá a entender que os "70 estudos" são análises recorrentes sobre o mesmo tema, quando a maioria deles abrange, provavelmente, aspectos tão diversos quanto a análise de ruído, perigo de colisão com aves, impacto ambiental, tráfego aéreo, etç.

  • com a passagem do tempo e alteração de determinadas realidades, justifica-se a realização de novos estudos; o raciocínio subjacente à notícia ("70 estudos já devem ser suficientes") apresenta um tom populista, reforçado pela seguinte observação, muito pouco neutra: "resta saber em quanto é que já vai a factura dos estudos encomendados".

  • Observemos atentamente este argumento: "Por falta de análises e relatórios o Governo não tem razões para não fazer o novo aeroporto da Ota". Mas sabe o DN quais as conclusões dos estudos? Pelo título da notícia, dir-se-ia que sim: "Ota tem estudos para todos os gostos e interesses". Neste caso, deveria haver estudos a dizer "sim, faça-se" e outros: "não, não se faça".

  • Como é sabido, não é o governo quem procura razões para "não fazer" esta obra - são determinados sectores da sociedade portuguesa que, ou estão contra a sua realização (pelo menos nos termos anunciados), ou requerem um melhor esclarecimento. O que pretende então o DN com este remoque - aconselhar o governo a avançar com a Ota?

    Questiona-se o matutino sobre o custo dos estudos. Ora o DN on-line certamente não ignora a notícia do seu colega Portugal Diário, que adianta um valor (12,7 milhões de euros) com base em fonte oficial, bem como a relevante informação de que o governo anunciou a intenção de fazer uma apresentação pública dos estudos em Outubro. Tal como não deve ignorar a movimentação dos blogues que exigem a divulgação pública dos estudos já realizados, também noticiada pelo Portugal Diário.

    Não sei se a edição em papel do DN adianta mais alguma coisa mas, no que diz respeito ao DN on-line, o que esta pequena notícia traduz é um jornalismo de fraca qualidade. Em poucas linhas consegue-se a proeza de cometer vários pecados jornalísticos: confusão entre noticiar e opinar, omissão (voluntária?) de informações relevantes, omissão da citação das fontes, inconsistências internas, ausência de neutralidade, populismo.
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