Os 60 anos do bombardemento de Hiroshima foram motivo de efeméride, nomeadamente na blogosfera. O cogumelo atómico fica sempre bem em imagem, comentada ou não. Não me surpreendeu que Vasco Pulido Valente, sempre pronto a desafiar o senso comum e a moda intelectual do momento, tenha ele próprio bombardeado esta efeméride, desmentindo os que apodam os bombardeamentos de Hiroshima e Nagazaki como "os maiores actos de terrorismo" (*). E Vasco Pulido Valente tem razão. Os bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagazaki não foram sequer actos de terrorismo - por muito criticáveis que sejam; foram actos de guerra, e de uma guerra defensiva, pois foi o Japão quem, sem motivo justificável, a iniciou. Ao mesmo tempo, VPV comenta o horror dos bombardeamentos das grandes cidades europeias que, apesar de terem feito mais vítimas, pesam muito menos nas consciências dos "ocidentais", pois estão envoltos numa aura de romantismo, sendo vistos quase sempre "do alto", do ponto de vista dos bombardeiros aliados, perpetrados por jovens imberbes que só pretendiam voltar para casa para namoriscar as inglesinhas e beber cerveja, tipo "Memphis Belle" ou "Piccadilly Lily". Em lugar do fálico cogumelo, a feminina e disponível pin-up. O que faz com que nos impressione mais o cogumelo atómico? Uma coisa apenas: o facto de não possuirmos aquele tipo de bombas (portanto, são do "inimigo... americano"). É uma reacção egoísta e hipócrita. Horrorizamo-nos com aquilo que nos pode vir a fazer mal, e não com aquilo que fez mal aos outros, pois nesse caso trataríamos de modo igual - chamando-lhe igualmente terrorismo - os bombardeamentos tradicionais. Mas não: essa "saga" fica tão bem nos filmes e nos documentários televisivos... Não me choca nada que se relembre a efeméride de Hiroshima e Nagazaki, e que se conjure o horror da guerra nuclear. Choca-me apenas que isso seja feito com segundas intenções, ao serviço da moda do momento: demonizar a América e relativizar o Terrorismo - como se a verdadeira ameaça de um ataque ou guerra nuclear não viesse, precisamente, desse mesmo Terrorismo. (*) Tudo isto se enquadra no relativismo com que se pretende desculpabilizar o terrorismo actual; na versão "dura", os relativistas dizem que os verdadeiros culpados do terrorismo são os americanos, por invadirem e ocuparem países, etc. Nesta outra versão, mais "mole", os terroristas são maus, mas piores do que eles são os americanos, porque praticam actos terroristas ainda piores. Exemplos: Lê-se no António Maria: "Até hoje ninguém se atreveu a julgar formalmente a destruição atómica de Hiroshima e Nagasaki à luz de uma teoria do Terrorismo, e no entanto, aqueles actos apocalípticos não teriam podido ilustrar melhor a definição de Terrorismo acima proposta: clandestinidade e secretismo, eleição de alvos civis, arbitrariedade absoluta, violência inaudita e espectacularidade." (Mas não se aplica isto também aos bombardeamentos de Londres - pelo Eixo - ou da França e da Alemanha - pelos Aliados? O Quinta Coluna chama-lhe, ironicamente, "um belo e heróico acto terrorista praticado pelo lado bom da História, que causou o maior número de mortos (mais de 90% dos quais civis) desde sempre: o equivalente a 45 vezes o 11 de Setembro". No Natureza do Mal escreve-se isto: "O bombardeamento de Dresden pela RAF foi um crime. Mas usavam as mesmas armas dos inimigos", e ainda isto: "Como a esquerda não pensa ou não tem onde, tem vergonha ou está de férias, os amigos da bomba atómica andam aí à solta. Ontem o Fernandes, hoje o Pulido Valente". Num outro post já tinha escrito: ""os cientistas, militares e políticos que produziram a bomba, esses super assassinos do século 20." Richard Feynman, por exemplo, terá ele sido um "super assassino do século 20" ? |
segunda-feira, agosto 08, 2005
"Bombas "boas" e bombas "más"
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1 comentário:
Meu caro, obrigado por ter comentado na Natureza do Mal.
Mas peço-lhe para ler com atenção o que eu venho escrevendo há dois anos. Talvez se fizer esse esforço perceba que não me pode arrumar assim tão fácilmente nos seus esquemas classificativos. Bons posts e um abraço.
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