quarta-feira, abril 27, 2005

Exames e preguiça


O Público de hoje inclui um dossiê sobre os exames, onde encontramos um depoimento da professora Fátima Bonifácio, historiadora e professora universitária, exprimindo a opinião de que «os exames são um antídoto contra a preguiça e o facilitismo». Confrontada com o facto de sistemas como o finlandês e o coreano só aplicarem exames no final do secundário, contrapõe:
«Os exames nacionais antes do final do secundário podem ser dispensáveis em sistemas de ensino que reunam pelo menos duas ordens de condições: serem altamente responsabilizadores de professores e alunos e dominados por uma cultura de grande rigor e exigência; gozarem de uma estabilidade do corpo docente que permita aos professores de cada escola conhecerem-se uns aos outros e conhecerem os "seus" alunos. Estas condições não estãoreunidas nas escolas portuguesas»
Avançando mais na sua análise, a professora adianta um exemplo:
«Num comunicado citado pelo Público de 16 de Abril último, o PCP deplorava que os exames nacionais do 9º ano deixassem "para último plano os aspectos de ordem afectivo-emocional, relacionais, as atitudes e a aplicação prática do saber", e que se limitassem a avaliar conhecimentos! Este tipo de discurso, que combina vacuidade e pieguice, é exemplar da mentalidade dominante segundo a qual a escola serve para para tudo menos para trabalhar e aprender. Não tenho dúvidas de que estas "teorias" pedagógicas são as principais responsáveis pelo clamoroso fracasso do sistema educativo nacional»
Eu concordo com esta análise. Fui testemunha de que a geração que formatou o actual sistema de ensino fez uma crítica, no período imediatamente anterior à Revolução de Abril, do sistema de avaliação baseado exclusivamente em exames, que fazia identificava aquele sistema com a ideologia da ditadura; segundo eles, era um sistema "destinado a formar os quadros da bueguesia", que formava mentes "acríticas", etç.

Logicamente, esta geração, quando assumiu as rédeas (não só os altos cargos do poder político formal, mas todas as instâncias onde é possível exercer uma fatia de poder) aplicou o sistema "alternativo" da avaliação contínua. Isto coincidiu com uma entrada massiva, no sistema de ensino, de professores mal preparados para tais funções - muitos nem tinham a formação legal necessária. A mistura desta postura anti-exames com a incompetência formal de grande parte do quadro docente mudou a natureza do ensino, passando a replicar essa ideologia anti-exame. (Sempre suspeitei que, se submetessem os professores aos exames que os meninos têm de fazer, que um número razoável chumbaria.)

Finalmente o sistema político, muito sensível, eleitoralmente, à satisfação dos paizinhos e mãezinhas dos meninos, foi acolhendo esquemas facilitistas que permitiam a progressão das criancinhas pela escola acima, quer soubessem muito, pouco, ou nada. Por isso acho interessante as propostas hoje divulgadas pelo governo no sentido de restringir o acesso ao ensino da matemática a licenciados em matemática. Mas não se esqueçam da avaliação dos professores e da definição de metas/gestão por objectivos.

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