O Professor João de Sousa Andrade escreveu em 1997 o texto "Definição de moeda e efeito Berlusconi", que explora a dicotomia criada entre os objectivos de política monetária, tal como são definidos pelos responsáveis por essa política e os 'objectivos' que são apresentados aos eleitores (na linguagem do académico, «que são apresentados a quem compete julgar da eficácia e da correcção daquela política»). A linguagem do texto é um tanto hermética, mas o 'efeito Berlusconi' do título ajuda a perceber o intento - se é que o entendi bem.
Designemos então os primeiros objectivos como "técnicos" e os segundos como "populistas" (designações minhas). A dúvida de J.S.Andrade é a de que, no caso dos dois objectivos não serem coincidentes, os 'Berlusconis', de tanto apregoar os "objectivos populistas", percam de vista os "objectivos técnicos". Mas vejamos as palavra de J.S.Andrade, a ver se entendi bem:
«Este trabalho destina-se a explorar ao nível da definição do agregado massa monetária a ideia que passamos a desenvolver. Os objectivos de política, entendida no sentido mais vasto possível, podem ser divididos em dois tipos. Em primeiro lugar temos os objectivos que são prosseguidos pelos responsáveis pela sua execução não têm que ser confundidos com os "objectivos"; que são apresentados a quem compete julgar da eficácia e da correccão daquela política. Haverá¡ razões objectivas que levam à escolha de uns e outros objectivos. Eventualmente aqueles objectivos são coincidentes. Suponhamos que o não são. Então neste último caso pode surgir uma situação à Berlusconi. De tanto apresentar os segundos que levarão a maximizar uma função de popularidade, os responsáveis governam mesmo para esses objectivos esquecendo os primeiros. Naturalmente que o resultado terá de ser destabilizador. Procuramos ver se podemos encontrar condições para um tal efeito no âmbito da política monetária portuguesa.»O trabalho tem natureza econométrica (saltamos essa parte...) e usa as variáveis monetárias M1 e M3 para representar os objectivos em análise. A conclusão do autor é a de que «As oscilações de M1 (...) não têm efeitos sobre a despesa real (...) mas não deixam de ser um elemento perturbador das informações que circulam pelas variações nominais na economia.» E, finalmente: «Se porventura esquecermos que a instablidade de M1 pode afectar a economia e apenas nos preocuparmos com uma variável M3 porque ela é a que apresenta menores oscilações estaremos a fazer uma política monetária à Berlusconi, esquecendo que o objectivo da política monetária não é o julgamento que possam fazer dessa política mas atingirmos objectivos tais como a estabilização dos preços ou da procura nominal global. E o resultado será a criação de instabilidade económica ainda que a nossa popularidade esteja de momento bastante bem.» (sublinhado meu)
Tudo isto, visto "do lado da Economia", parece razoável. Mas há aqui uma consequência política, na frase que sublinhei, que me custa a aceitar: creio que, em última análise, é aos eleitores que cabe fazer o julgamento da política monetária e não aos técnicos. Não porque os eleitores sejam economistas qualificados, mas sim porque, por maior qualificação que exista nos técnicos ou cientistas, a nenhum pode ser atribuída a posse da verdade. Além disso as escolhas de política (mesmo que da esotérica política monetária) envolvem opções sociais que aconselham processos de concertação que só podem ser regulados por via eleitoral.
Vejamos um exemplo, pelo absurdo: e se os eleitores decidissem escolher conscientemente a "instabilidade económica"? Ainda assim, não continuaria o poder de decisão a caber-lhes por inteiro ?
Sem comentários:
Enviar um comentário