O Professorices chamou a atenção para a delirante criatividade que se espelha na designação de uma série de novas licenciaturas, dando origem a um interessante e participado debate sobre o abusivo (?) uso do vocábulo “ciência” em algumas dessas designações.
De facto, alguns cursos superiores incorporam hoje a designação de “ciências” com o aparente objectivo de lhes dar um status especial, apesar da duvidosa cientificidade das matérias em causa: ciências jurídicas, ciências da comunicação, ciências musicais, ciências políticas, etç.
O que é curioso é que a Economia, em Portugal, já sofreu desta maleita: quando surgiu a primeira escola especificamente destinada a formar economistas, logo se chamou “Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras”, abreviadamente ISCEF (ou ISSEF, numa altura em que ainda se grafava “sciências”). Compreende-se o esforço pois que na altura a profissão não tinha prestígio - não dava para Ministro, por exemplo, nem para gerir empresas, que era coisa para engenheiros e advogados. Os pais de António Manuel Pinto Barbosa – que viria a ser o grande reformador da escola nos anos 40 - ficaram muito desgostosos quando lhes anunciou que queria seguir uma carreira académica em Economia. Foi também o Professor Pinto Barbosa quem recordou este delicioso episódio (numa sua biografia escrita por João César das Neves e Francisco Azevedo e Silva):
”Já depois da minha formatura, era eu professor, apareceu uma grande notícia nessa altura: que um dos nossos diplomados tinha conseguido o lugar de chefe de repartição na Câmara Municipal de Lisboa. O Instituto quase que embandeirou em arco.”Perante a pomposa designação, logo a presunção foi castigada com o apodo de “económicas e bagaceiras”. Uma “económica” era a designação popular da célebre sopinha que então, como ainda hoje, constituía a base alimentar de muito alfacinha; “sai uma económica!” era um grito-de-ordem comum nas tascas e restaurantes baratos; um dos métodos então existentes para enriquecer a “componente calórica” da sopa era mergulhar, na água a ferver, uma bola de sebo presa por um fio, pois era reutilizável, tal como a bala do Solnado na “Ida à guerra”. A "bagaceira", claro, era uma aguardente de bagaço. Uma económica e uma bagaceira elevavam, conjuntamente, o corpo e o espírito: era uma correlação forte.
Mas voltando ao Quelhas (outra das designações populares da escola, nome da rua) em lugar de “económicas e bagaceiras” tenho ouvido, mais recentemente, “alcoólicas e bagaceiras”; não sei se é designação antiga – eu não me lembro dela – mas parece-me a outra mais abrangente e mais alfacinha, além de que esta última sofre de uma nítida redundância.
3 comentários:
Belo texto. Só para o avisar que o link para o professorices não parece estar a funcionar.
Obrigado. Já corrigi o link: quando escrevo o texto em Word e copio para o blog, as aspas não são reconhecidas como tal. Esquisitices da net.
Meu caro JA,
É da escola e da milícia (vulgo "tropa") que se guardam as melhores recordações. Li o seu texto com agrado enquanto recordava o "meu" Quelhas. O "seu" será por certo distinto.
E aproveito para lhe juntar a observação de que em 30 de Setembro de 2005, farão 350 anos que foi instituída por decreto real a "Aula do Comércio". Uma iniciativa sem dúvida arrojada e visionária do nosso Marquês. Que veio depois a dar origem ao Instituto Superior de Comércio de Lisboa, a que se seguiu o ISCEF.
Boas lembranças económicas. E obrigado
F
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