quinta-feira, outubro 28, 2004
Exames para quê ?
Por causa dos atrasos no início do ano lectivo, os paizinhos (e as maezinhas) exigem que os estudantes do secundário não tenham exames nacionais no 9º ano. Os sindicatos, cínicos, acham que "seria mais prudente não fazer os exames". A Ministra da Educação, teimosa, insiste em torturar as criancinhas, mas garantindo que praticamente não haverá chumbos ("dá para que não haja problemas de reprovações" ... "quem vier com nota 5 passa sempre"). Assim vai o país. Não se poderia fazer uma lei que atribuisse os diplomas logo à nascença ? Poupava-se dinheiro e poucas vergonhas.
terça-feira, outubro 26, 2004
Neuroeconomia: o regresso do "animal spirits"
O mecanismo do marcador somático parece coerente com a teoria da racionalidade limitada. Em Economia, o pressuposto das decisões racionais levanta dois problemas importantes:
- os agentes económicos não podem dispor de toda a informação relevante ePode ser que o trilho adaptativo da racionalidade limitada seja percorrido com a ajuda da memória emocional proposta por António Damásio. No seu livro "O Erro de Descartes" é descrita uma experiência laboratorial com humanos, o "jogo de cartas", que o próprio Damásio admite ser uma simulação da actividade económica. Os pacientes com disfunções no sistema emocional não conseguem "adivinhar" as regras do jogo, ao contrário dos que não têm esse problema, os quais acabam por "adivinhar" as regras de um jogo aparentemente caótico, onde os impulsos emocionais de "ganhar" ou "perder" ajudam a perceber a racionalidade escondida.
- ainda que dispusessem, a quantidade de informação seria tão grande que o cérebro não teria capacidade para a processar.
Peter Drucker, nas suas memórias, apresenta um exemplo muito curioso dum velho "capitão da indústria" que contraria a análise da sua equipa de gestores, favoráveis a um investimento financeiro "infalível", que tinha inclusivamente uma espécie de aval do Banco de Inglaterra. Resultado: os gestores estavam enganados. Questionado sobre o que o teria levado a "descobrir" a verdade, o experiente homem terá dito qualquer coisa como "desconfiei porque o tipo tinha respostas para tudo". Este é o tipo de comportamento que costumamos rotular como "intuitivo", pelos vistos erradamente: em lugar da intuição está, provavelmente, o mecanismo do marcador somático a ajudar à tomada de decisão.
As "funções de surpresa potencial" de George Shackle também poderiam ser explicadas pelo marcador somático. É curioso como estas "intuições", desprezadas pelos economistas por causa da sua aparência pouco científica (desprezo que, em si mesmo, traduz uma atitude pouco científica) parecem agora ser mais "legitimas" a partir de experiências laboratoriais controladas. Porém - suprema ironia - é bem provável que tudo isto venha dar razão àqueles que construiram modelos matemáticos do comportamento económico "não realistas". A ciência tem destas coisas. na altura da sua formulação, não havia modelo mais "afastado da realidade" do que a teoria da atracção universal de Newton: era "evidente" que não havia nenhum meio de transmitir a informação necessária à atracção, nenhum cabo a ligar os planetas, e no entanto... Newton, de resto, estava consciente desse "ponto fraco".
A Neuroeconomia apresenta-se assim como um caminho bastante promissor. Quem sabe se, depois de se terem tornados "matemáticos", não terão os economistas de se especializar agora em Medicina...
Um bom texto sobre este assunto: Implications of the Affect Heuristic for Behavioral Economics de Paul Slovic (2002)
Quem também prece ganhar pontos com estes desenvolvimentos são as teorias darwinianas: o facto do organismo utilizar como elemento relevante do mecanismo racional um outro mecanismo "inferior" (as emoções secundárias, que parece que partilhamos com outros mamíferos...), encaixa bem no modelo evolutivo em que órgãos de uma determinada fase da evolução são adaptados para o funcionamento de órgãos que surgem posteriormente no processo evolutivo.
Razão tinha o Keynes com o seu "animal spirits". Seria também intuição do Lord?
"Even apart from the instability due to speculation, there is the instability due to the characteristic of human nature that a large proportion of our positive activities depend on spontaneous optimism rather than mathematical expectations, whether moral or hedonistic or economic. Most, probably, of our decisions to do something positive, the full consequences of which will be drawn out over many days to come, can only be taken as the result of animal spirits - a spontaneous urge to action rather than inaction, and not as the outcome of a weighted average of quantitative benefits multiplied by quantitative probabilities."Sendo muito bem concebido (ao longo de milhões de anos) o mecanismo não é infalível. Além disso foi desenvolvido para uma realidade envolvente diversa daquela que construimos com a sociedade mercantil. Provavelmente daremos um grande avanço no conhecimento dos mecanismos económicos e com isso ficaremos ainda mais ignorantes, porque mais conscientes da nossa ignorância.
"... human decisions affecting the future, whether personal or political or economic, cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis for making such calculations does not exist ... it is our innate urge to activity that makes the wheel go around ..."Keynes, Teoria Geral
quinta-feira, outubro 21, 2004
Atenas: Medalha de Bronze para a Econometria
Usando métodos econométricos, Andrew Bernard e Meghan Busse fizeram uma previsão de medalhas para o Jogos Olímpicos de Sidney que se aproximou muito do resultado efectivo. Um artigo com explicitação do modelo foi publicado na Review of Economics and Statistics, vol. 86, no.1: "Who Wins the Olympic Games: Economic Resources and Medal Totals" (pdf).
Uma previsão para Atenas, com o mesmo modelo, encontra-se aqui. Neste caso parece que os econometristas não passaram da medalha de Bronze; a previsão e a realidade para os primeiros 20 países é a seguinte:
# | País | Ouro | Prata | Bronze | Total | Previsões | |
Ouro | Total | ||||||
1 | EUA | 35 | 39 | 29 | 103 | 37 | 93 |
2 | China | 32 | 17 | 14 | 63 | 27 | 57 |
3 | Russia | 27 | 27 | 38 | 92 | 29 | 83 |
4 | Austrália | 17 | 16 | 16 | 49 | 14 | 54 |
5 | Japão | 16 | 9 | 12 | 37 | 6 | 18 |
6 | Alemanha | 14 | 16 | 18 | 48 | 13 | 55 |
7 | França | 11 | 9 | 13 | 33 | 12 | 37 |
8 | Italia | 10 | 11 | 11 | 32 | 12 | 33 |
9 | Coreia do Sul | 9 | 12 | 9 | 30 | 7 | 27 |
10 | Reino Unido | 9 | 9 | 12 | 30 | 10 | 27 |
11 | Cuba | 9 | 7 | 11 | 27 | 7 | 25 |
12 | Ucrania | 9 | 5 | 9 | 23 | 1 | 20 |
13 | Hungria | 8 | 6 | 3 | 17 | 5 | 14 |
14 | Roménia | 8 | 5 | 6 | 19 | 8 | 23 |
15 | Grécia | 6 | 6 | 4 | 16 | 10 | 27 |
16 | Noruega | 5 | - | 1 | 6 | 1 | 8 |
17 | Países Baixos | 4 | 9 | 9 | 22 | 9 | 21 |
18 | Brasil | 4 | 3 | 3 | 10 | 1 | 12 |
19 | Suécia | 4 | 1 | 2 | 7 | 2 | 11 |
20 | Espanha | 3 | 11 | 5 | 19 | 3 | 11 |
terça-feira, outubro 19, 2004
Preferências reveladas...
Temos de admitir que a operação de marketing do manual de economia "Economics" do Paul Samuelson é inteligente. Note-se: o prestígio do produto anda intimamente associado à imagem do nobelizado velhinho, certo? Mas, e se o homem morre? O produto apodrece? É bem provável.
Daí que em 1985 a fábrica do "Economics" tenha adicionado ao Paul um (mais) jovem e saudável William. "Assumindo" que um destes dias se dá o passamento do velhinho, lá estará o Nordhaus para dar continuidade às vendas; repare-se que o processo pode ser mantido ad eternum, adicionando sempre mais um William à fotografia.
Um pouco mais subtil (ma non tropo) é a cosmética que o conteúdo do livro - a designada "matéria" - vai sofrendo. Lá vão decaindo os modelos keynesianos e outros "souvenirs" do século XX, em troca não se percebe bem de quê. Entretanto as vendas vão revelando as preferências do consumidor, quod erat demonstrandum.
Um artigo critico-apologético do manual, escrito por Mark Skousen, pode ser consultado em: The Perseverance of Paul Samuelson's Economics
Daí que em 1985 a fábrica do "Economics" tenha adicionado ao Paul um (mais) jovem e saudável William. "Assumindo" que um destes dias se dá o passamento do velhinho, lá estará o Nordhaus para dar continuidade às vendas; repare-se que o processo pode ser mantido ad eternum, adicionando sempre mais um William à fotografia.
Um pouco mais subtil (ma non tropo) é a cosmética que o conteúdo do livro - a designada "matéria" - vai sofrendo. Lá vão decaindo os modelos keynesianos e outros "souvenirs" do século XX, em troca não se percebe bem de quê. Entretanto as vendas vão revelando as preferências do consumidor, quod erat demonstrandum.
Um artigo critico-apologético do manual, escrito por Mark Skousen, pode ser consultado em: The Perseverance of Paul Samuelson's Economics
A mão invisível de Deus... ou do Diabo?
No Simbiótica João escreve que a metáfora smithiana da "mão invisível" teria originalmente conotações teísticas, significando apenas que "é por obra e graça de Deus que o Homem pretende enriquecer. Dessa forma permite também enriquecer os seus semelhantes", e que a interpretação actual que identifica a mão invisível com o mercado selvagem e a não intervenção governamental na Economia é "perfeitamente abusiva".
Não me parece. Como muito bem explica - e fundamenta - Albert Hirshman no seu livro “As Paixões e os Interesses” [já aqui referido no post "As paixões compensadoras"] o egoísmo e a ganância do capitalista nascente eram inicialmente vistas como um “mal menor” e por isso aceitáveis, ou mesmo desejáveis, como alternativa a outros meios de obtenção de poder e riqueza como a guerra ou o assassínio, etc. Dificilmente se pode atribuir a Deus a pretensão humana de enriquecer (a não ser no sentido da omnipotência: se Deus criou tudo, então tudo lhe pode ser atribuído; mas não me parece…).
Creio que neste caso os direitos autorais não revertem para Deus mas sim para o Diabo. Salvo melhor opinião.
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