quarta-feira, junho 03, 2009

Também tu, Champalimaud ?

É muito referida, como um dos factores da mudança política ocorrida em Abril de 1974, a tese do general António de Spínola de que a guerra do Ultramar não podia ser ganha por meios militares, mas sim políticos, tese veiculada no seu livro "Portugal e o Futuro". Isto quereria dizer que os militares já não acreditavam na vitória. Mas os "capitães da indústria e das finanças" também não. António Champalimaud, na Assembleia Geral anual do Banco Pinto & Sotto Mayor, apresentou ao Grupo que liderava um "Novo programa de acção que assenta essencialmente no aproveitamento articulado de recursos de Moçambique, de Angola e da Metrópole":
     "A Nação sofre todos os dias, nas presentes circunstâncias, perdas irreparáveis de vidas e uma sangria exaustiva de recursos materiais.
     O Sotto Mayor e as Empresas de índole industrial e financeira que lhe estão ligadas por laços de parentesco accionista, encontram-se amplamente disseminadas em Angola e Moçambique. Nada do que ali sucede pode por isso ser-nos indiferente.
     Isso exige, e todos estaremos de acordo com o ponto de vista, que o encargo com a defesa militar tenha de dar decisivamente o passo à cooperação económica. E embora a presença de forças armadas continue a ser ser imprescindível por período indeterminado para manter a ordem e a segurança, sem as quais não pode haver progresso, o essencial das forças de ataque tem de ser constituído por uma participação consentida de brancos e pretos, por mais gente que saibamos atrair, por crédito adequado e por investimento pertinaz, porque o inimigo mais sagaz em que os demais procuram apoiar-se será a falta de desenvolvimento".
"Dar passo" significava aqui "ser substituído por" (hoje diríamos "ceder o passo"); "os demais" refere-se aos que lutavam pela independência das Colónias. Ainda recentemente, na série de documentários sobre as guerras coloniais de Joaquim Furtado, militantes dos movimentos de libertação reconheceram que o desenvolvimento económico lhes criou alguns problemas de mobilização, mas que encontraram uma solução dizendo: "pois, mas isso está a acontecer só porque nós iniciámos a nossa luta".
O discurso de Champalimaud teve lugar em 22 de Março de 1974, a poucas semanas da Revolução. Marcelo Caetano bem pode ter pensado: "Também tu, Champalimaud ?"
Copiei o texto do jornal O Sesimbrense dessa época, mas o discurso integral também se encontra aqui →

2 comentários:

Anónimo disse...

Ainda o chamavam de fascista!!
Grande homem...

Anónimo disse...

Grande homem, diz-se num comentário!
Não tenho conhecimento suficiente para adjectivar desta forma ou no seu contrário o falecido empresário, era ainda muito chavalito quando ele dava cartas e partia o baralho. Lembro-mr, no entanto, quando ele regressou e, por um processo muito "transparente", aqduiriu os bancos (BPSM, CPP e TOTTA, C. de Seguros etc., ter afirmado, mais ou menos, que com o grupo financeiro iria, no prazo de 5 anos, reunir recursos que então aplicaria na construção dum grande grupo industrial; Alguém poderá dizer-me qual foi esse fantástico investimento, marca da fibra empreendedora do então designado capitão da indústria?
Como se sabe, durante a ditadura as condições para se ter êxito empresarial passavam pouco pelo risco e pela capacidade inovadora.
Com isto não pretendo negar que ele fosse dotado dessas qualidades, tão raras, infelizmente, entre nós.