sábado, junho 30, 2007

O lado bom das desigualdades

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     Segundo este gráfico, nos EUA, as mulheres obtêm um ganho maior com a formação superior do que o homens. Trata-se de um estudo de Gary Becker e Kevin Murphy, que fala sobre o "lado positivo" da crescente desigualdade de rendimentos. Aparentemente trata-se de uma reedição da curva de "U invertido" de Kuznets. O que este senhor dizia é que o desenvolvimento económico, numa fase inicial, faz aumentar as desigualdades, e só numa segunda fase é que as coisas se ajustam. Isto deu origem ao slogan "dividir o bolo só depois do desenvolvimento" e contrariava as teses desenvolvimentistas de esquerda, que apelavam a dividir o bolo "antes" do desenvolvimento.
     Becker e Murphy dizem que é isso precisamente que está a acontecer na China e na Índia: as desigualdades estão a aumentar devido à explosão do crescimento. Quanto aos EUA, a origem vem da grande procura de pessoas qualificadas, que faz aumentar os rendimentos dos que estudam mais.
     Os autores também encontraram aqui um paradoxo: se mais estudos têm um "pay-off" tão elevado, porque é que não há mais gente a completar estudos superiores? Esta questão também é velha: porque será que as pessoas não se comportam de acordo com os belos modelos de equilíbrio da Economia neo-clássica?. Becker e Murphy respondem deste modo:

«As respostas a esta questão, bem como a outras questões relacionadas, reside em parte no estilhaçar da famíla americana e nos consequentes baixos níveis adquiridos por muitas crianças na escolas básicas e secundárias - particularmente indivíduos de famílias separadas. As capacidades cognitivas tendem a desenvolver-se em idades muito baixas, enquanto que - tal como mostrou o nosso colega James Heckman - capacidades não cognitivas, como os hábitos de estudo, chegar a tempo aos compromissos e atitudes perante o trabalho, só se adquirem mais tarde, embora ainda enquanto jovens. Muitos dos que abandonam a escola parecem estar seriamente afectados nas capacidades não cognitivas que lhes permitiriam tirar proveito das elevadas taxas de retorno da educação e de outro capital humano.»

     Até parece storytelling, não é? Porém, a verdade é que nos EUA estuda-se muito todo este tipo de questões. Quem é que estará mais ameaçado com o virus do storytelling: aqueles que fazem muitos estudos e se perdem nos dados, ou aqueles (como nós) que não fazem estudos nenhuns e explicam o mundo à volta (e dirigem a política) de acordo com "racionalidades" ideológicas congeminadas por algum economista fora-de-prazo (parafraseando outro economista fora-de-prazo)?

  • "The Upside of Income Inequality"
         Gary S. Becker e Kevin M. Murphy.

    Nota: James J. Heckman, citado no artigo, foi Nobel da Economia em 2000. Juntamente com Alan B. Kruegman e Pedro Carneiro, Heckman é autor do livro "Inequality in America: What Role for Human Capital Policies?".
  • 6 comentários:

    Rui Fonseca disse...

    Desculpe-me comentar o seu "post" colocado em baixo acerca do negócio das drogas e outras actividades criminosas, deslocado do sítio. Não o faço, contudo, por menos respeito com o tema deste mas porque não fui oportuno a ler em devido tempo o outro.

    O negócio das drogas intriga-me, além do mais, porque nunca vi escrito algum acerca das consequências que teria para a economia mundial (e para a economia portuguesa) o colapso do negócio.

    Trta-se, evidentemente, de uma hipótese meramente tópica) se quiser, mas que, no fundo, pretende responder a esta questão: em que medida é que a economia depende do crime?

    Dito de outro modo: Se a si lhe fosse dado o condão de, com um simples gesto da vara mágica, poder acabar com o negócio da droga, brandia a vara?

    Que consequências prevê que pudessem resultar do seu gesto?

    Sobre a economia portuguesa; sobre a construção civil, por exemplo.

    Há muito dinheiro envolvido, segundo as estatísticas da ONU. Ele anda por aí. Por aí, por onde?

    Rui Fonseca disse...

    Pf. leia no começo do terceiro período:

    "Trata-se, evidentemente, de uma hipótese meramente teórica (utópica, se quiser)..."

    e não o que lá está.

    Joao Augusto Aldeia disse...

    Do ponto de vista da análise económica, a actividade de produção e distribuição de drogas ilegais tem exactamente o mesmo efeito que qualquer outra actividade económica, legal ou não, prestigiada ou não: gera empregos, cria riqueza. A economia não consegue distinguir uma folha de couve de uma folha de coca. Os empregos que as actividades ilícitas criam e a sua contribuição para o PIB são importantes. Se desaparecessem teriam um efeito recessivo na economia. Os principais afectados seriam os que estão directamente ocupados na produção e comercialização - incluindo agricultores pobres da Colômbia, do Magrebe ou do Afeganistão. Indirectamente seriam afectados os negócios (em geral legítimos) onde os rendimentos desta actividade são aplicados.

    Não estou a defender a existência destas actividades: o lado puramente económico é positivo, mas há outros aspectos (sociais, médicos, etc) altamente negativos. Em todo o caso, dada a sua ilegalidade, não pagam impostos e proporcionam, por isso, rendimentos elevados. Há quem defenda a legalização do consumo com base neste argumento: uma vez legalizadas e sujeitas a imposto, o consumo de drogas diminuiria.

    Grande parte dos contributos dos países membros para a UE são estipulados em função do valor do PIB, incluindo uma estimativa da economia paralela. Esta (talvez 20 a 25% do PIB) inclui quer os biscateiros que fogem aos impostos e restaurantes que não passam facturas, quer a economia da droga.

    A classificação destas actividades como ilegais é legítima e deve ser cumprida. Não sei se o faria de um dia para o outro, mas fá-lo-ia de qualquer modo.

    rui f. disse...

    Obrigado pelo seu esclarecimento.

    Contudo, suponho que a lavagem de dinheiro prefere mais umas actividades que outras. A construção civil é uma dessas actividades que, pela dimensão e pelo valor consistente que oferecem como contrapartida, deve ser das mais entusiasmadas para o efeito.

    Ora a economia portuguesa é muito dependente da construção civil. Se esta escorregar, a economia, em geral, corre sérios riscos de cair.

    Ou são fantasias minhas?

    rui f. disse...

    Volto de novo porque me esqueci de um outro ponto:

    Se a economia da droga (e em geral de todas as actividades que recorrem ao branqueamento de capitais) é assim tão importante para a economia (percebi que não brandia a varinha mágica, pelo menos até fazer umas contas)não será essa a grande razão pela qual o combate à droga não intercepta se não uma pequeníssima parte do negócio? Dito de outro modo, não será por essa razão que, também a polícia ( ou seja quem for que o possa fazer), está relutante em brandir a varinha mágica?

    Joao Augusto Aldeia disse...

    Bem, os sectores económicos são como qualquer outro organismo: têm muito amor à pele. Nós também somos assim: se fosse por nossa vontade não morríamos nunca e ficaríamos cada vez mais ricos. Não faz sentido acusar um sector económico de "querer" isto ou aquilo. Também não sei se faz muito sentido exigir responsabilidade social às empresas. Essa responsabilidade reside nos indivíduos, que devem elaborar leis e normas para definir o que é legal ou ilegal, desejável ou indesejável, e atribuir incentivos ou desincentivos em função dessa definição.

    Parece que as polícias e os tribunais funcionam mal. Resta saber se devemos empurrar a responsabilidade disso para cima, para as "grandes empresas", para os "sectores económicos", etc. ou se devemos procurar a causa ao nível dos comportamentos dos indivíduos. Quantas leis e normas, incluindo coisas como o estacionamento automóvel, chegar a horas, trabalhar com diligência, quantas vezes por dia incumprimos isso ou encolhemos os ombros perante o incumprimento dos outros?

    Eu creio que a nossa grande dependência do sector da construção é má para a economia (independentemente de haver actividades de branqueamento de dinheiro associadas). Mas o que é que os cidadãos pensam disso? Estarão dispostos a aceitar as consequências de se redimensionar e modernizar esse sector?

    Já se sabe que os governos andam a toque de caixa dos lóbis (até os economistas têm modelos para explicar isso), mas ainda não percebi o que pensam os trabalhadores e os consumidores de tudo isso. Protestam e atribuem culpas mas não parece existir uma lógica por detrás de toda a agitação, a não ser talvez o desejo de manter tudo como está. E não me refiro à contestação de medidas governativas: aí protesta-se contra a diminuição de direitos, tudo bem. Mas supondo que o governo não fazia nada, o que é que a sociedade estaria a exigir? Eu não consigo saber. Às vezes faço esta pergunta a pessoas informadas e as respostas são confrangedoras.