sábado, outubro 07, 2006

Planeamento

     «Ora é ponto assente, hoje em dia, que apenas uma política de desenvolvimento económico fundamentada num plano terá possibilidades de êxito, vencendo as múltiplas dificuldades que se deparam aos países atrasados.
     «Efectivamente a Inglaterra não necessitou de planeamento para realizar a sua industrialização e para atingir uma estrutura e um nível económico que depois sustentaram a continuação do progresso - mas demorou muito mais de duzentos anos a conseguir isso, se pensarmos que as profundas reformas da agricultura, a acumulação de meios financeiros no alto comércio, a criação de uma classe média empreendedora, tudo isso se desencadeou bem antes da "invenção" da máquina a vapor, em 1708, por Newcomen. E os Estados Unidos também se desenvolveram sem plano, mas beneficiarm da grandeza e riqueza dos territórios e do afluxo, em escala espantosa, de milhões e milhões de pessoas com iniciativa e com aptidões para trabalhar, bem como de abundantes capitais - e nem assim conseguiram um ritmo de crescimento rápido, tal como as exigências sociais e políticas impõem aos países atrasados de agora. Mais ainda: ambas essas experiências se desenrolaram sem as economias em causa defrontarem concorrência externa, pois eram as pioneiras; e não é semelhante a situação actual dos países subdesenvolvidos.
     «No entanto, deve notar-se que plano e planeamento não são sinónimos de socialização económica, nem da introdução de processos comunistas... Trata-se apenas de definir e explicitar objectivos, inventariar recursos e canalizá-los para as aplicações adequadas, e, mais do que tudo, de exercer uma acção simultânea e concertada sobre os múltiplos aspectos da vida económica onde se situam os entraves ao progresso.
     «É o Estado que executa os empreendimentos e se apropria dos meios de produção ou limita-se ele a delinear sistemas de incentivos e orientações à iniciativa privada? Provoca-se uma transformação social e política violenta ou conseguem-se as alterações estruturais indispensáveis mediante progressos em que comparticipam livremente todos os grupos sociais? Aparece um grupo detentor da totalidade do poder a impor objectivos e a definir os instrumentos de actuação ou desenvolve-se a programação segundo fórmulas mais "democráticas"? Todas essas são já modalidades diversas de organização social e sistema económico sem dúvida importantes e significando situações humanas e posições doutrinárias absolutamente divergentes; mas todas são também compatíveis com o planeamento, no sentido em que acima ficou definido, não se identificando este, portanto, com uma ou outra fórmula mais ou menos à "esquerda", como, por vezes, poderia acreditar-se.»

Francisco Pereira de Moura
"Problemas Fundamentais da Economia"
Clássica Editora (2ª edição, 1963, pp. 219/220)

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