segunda-feira, junho 05, 2006
O Tal Professor
O professor Luís Santos Pinto começa a sua crónica na revista DiaD (Público) de hoje com uma pequena diversão: «Se pedirem a um economista sugestões para tornar os trabalhadores de uma empresa pouco produtivos, as respostas poderão ser: (1) pagar o mesmo salário aos melhores e aos piores (2) nunca despedir ninguém (3) nunca promover ninguém para uma função hierarquicamente superior.»
É claro que não fomos nós quem colocou esta pergunta ao professor LSP, pelo que ele, economista encartado, não pode ser responsabilizado pelas respostas,mas sim o "tal economista" a quem nós, eventualmente, colocaríamos a questão. E claro que ele próprio também não arrisca um centímetro na resposta, porque, cautelosamente, não nos diz que aquelas seriam as respostas, mas sim que "poderiam sr"... Capisce?
Deve, pois, o professor LSP estar convencido de que joga pelo seguro. Mas, inadvertidamente, dá logo de seguida uns arriscados saltos epistimológicos em que se candidata a estatelar no chão da sabedoria. É que o divertido intróito serve para, logo a seguir, munido ele daquela sapiência com que o "tal economista" poderia, eventualmente, ter-nos agraciado, afirmar que são precisamente aquelas normas as que são aplicadas na gestão dos funcionários públicos portugueses. E é por isso, diz ele, que o "sistema" é tão ineficiente.
Vamospor partes. Damos de barato que, ao falar de "bons" e "maus" trabalhadores, o professor LSP se refere a trabalhadores "mais" e "menos eficientes" -um pouco de ética religiosa aplicada à produção não faz mal a ninguém. Mas logo a seguir tropeçamos no primeiro problema epistimológico: a função pública é uma empresa? Os conselhos do "tal economista" não eram para as empresas? E aplicam-se ipsis-verbis num e noutro "sistema"? E nesse caso, porquê não ter pedido ao "tal economista" sugestões para explicar a ineficiência do sistema da função púbica?
Ocorreu-me, por outro lado, que se o "tal economista" poderia ter dado aquelas sugestões, também poderia ter dado outras: (1) mudar as chefias, os objectivos e orientações cada vez que muda o governo; (2) não criar nos trabalhadores qualificados qualquer expectativa de promoção aos lugares superiores da administração pública fora do circuito partidário (3) sugerir publicamente que para desempenharem bem as suas funções os trabalhadores da função pública terão de sentir a ameaça do desemprego. (Eu aqui, tal como o professor Cavaco Silva no debate com Soares, tive de me controlar, porque só me ocorriam coisas disparatadas, tal como "colocar os trabalhadores numa sala, durante uma manhã por mês, a ouvir professores de economia palestrar sobre o seu desempenho profissional, etc.)
Ou seja: havendo mais factores de desmotivação (chamemos-lhe assim) do que aqueles três que o professor LSP ouviu ao "tal economista", como pode ele assentar a sua palestra apenas naqueles? Foi o "tal economista" que lhe disse? Foi ele próprio que investigou?
Mas o pior - muito pior- decorre de uma outra afirmação do professor LSP: a de que "a questão que hoje nos devemos colocar não é porque é que os serviços públicos são de tão baixa qualidade mas sim como é que não são piores".
Exacto, meu caro LSP! Essa é que é a questão milionária!
Não sei se sabe que há um pressuposto, nestas coisas do pensamento, que é a racionalidade? Bem, deve saber, porque é evidente que o seu texto tem todo o ar de procurar a racionalidade: começando logo pelo recurso ao tal sábio economista. Então, caro professor, onde é que está a racionalidade dum sistema que deveria gerar mais desperdício, mas não o faz? E isto, ao ponto do caro professor LSP se espantar com a discrepância?
Coloquemos de novo a questão: o nosso "sistema" da função pública (1) paga o mesmo salário aos melhores e aos piores (2) nunca despede ninguém (3) nunca promove ninguém para uma função hierarquicamente superior (é isto, não é?). Porque diabo, então, não é totalmente ineficiente? Só pode haver uma resposta: há outras variáveis que o "tal economista" não levou em consideração. Claro que a culpa não é sua, mas sim dele. O "tal economista" esqueceu-se, talvez (também aqui tenho de ser cuidadoso...) de que as pessoas se realizam no trabalho de várias maneiras: desempenhando bem as suas funções, procurando responder ao esforço que lhes é solicitado (seja pelas chefias directas, seja - em termos culturais - pela sociedade). Ou simplesmente movidos pela sua própria auto-estima. Ou então, e em sentido oposto, podem ter receio de ficar mal vistos pelos seus colegas, ou de prejudicar alguém que com eles depois se zangue, ou ainda que lhe levantem um processo disciplinar.
Enfim: pode haver mais variáveis para além desse Trio Odemira com que o "tal economista" o presenteou. Havendo mais variáveis, levanta-se novo problema: qual o peso de cada variável? Teria esse "tal economista" investigado o problema? Terá algum "paperzito" publicado sobre o assunto?
Sabe qual é o nosso mal, professor LSP? É sermos muito ingénuos. Vai a gente a acreditar num economista, e depois sai-nos na rifa um superficial qualquer. Já viu o problema: o tal economista erra no diagnóstico, e depois é o caro professor LSP que, involuntariamente, erra na prescrição.
Por exemplo: prescreve bónus aos professores pelos diferenciais de avaliação dos respectivos alunos face a alunos do mesmo extracto-social... E como é que mede o sr. professor LSP o extracto-social dos alunos? A coisa vai por classes (estatísticas, é claro)? E os alunos são informados das classes a que pertencem? E o extracto-social dos professores não conta? (sejamos sérios: tem de contar, francamente!). E a comparação "alunos-do-professor vs. alunos-do-mesmo-extracto-social" seria feita no interior da mesma universidade? Do mesmo curso? De universidades diferentes? De Portugal? Da União Europeia?
Há uma outra coisa que me incomoda na argumentação do sr. professor LSP: é que faculta aos doentes que avaliem os médicos para efeitos de medição do desempenho destes últimos, mas já não concede essa benesse aos alunos relativamente aos professores. A que se deve tal diferença de tratamento? Acaso as curas (positivas e negativas, ou seja, não-curas) não teriam de ter em conta, também, o extracto social dos doentes, e bem assim, dos médicos?
Nos juízes o sr, professor LSP ainda nos confunde mais, porque, depois de ter conseguido avaliar quais os juizes mais e menos competentes (saltamos por cima do método), o sr.professor resolve castigar os mais competentes atribuindo-lhes, precisamente, os processos "mais complexos" - algo muito contraditório com o sistema "pau-e-cenoura" com que pretende disciplinar as outras profissões, incluindo a sua! Provavelmente, o sr. professor LSP, sendo altamente competente, não quererá ficar com as turmas "mais complexas", será isso?
É claro que não fomos nós quem colocou esta pergunta ao professor LSP, pelo que ele, economista encartado, não pode ser responsabilizado pelas respostas,mas sim o "tal economista" a quem nós, eventualmente, colocaríamos a questão. E claro que ele próprio também não arrisca um centímetro na resposta, porque, cautelosamente, não nos diz que aquelas seriam as respostas, mas sim que "poderiam sr"... Capisce?
Deve, pois, o professor LSP estar convencido de que joga pelo seguro. Mas, inadvertidamente, dá logo de seguida uns arriscados saltos epistimológicos em que se candidata a estatelar no chão da sabedoria. É que o divertido intróito serve para, logo a seguir, munido ele daquela sapiência com que o "tal economista" poderia, eventualmente, ter-nos agraciado, afirmar que são precisamente aquelas normas as que são aplicadas na gestão dos funcionários públicos portugueses. E é por isso, diz ele, que o "sistema" é tão ineficiente.
Vamospor partes. Damos de barato que, ao falar de "bons" e "maus" trabalhadores, o professor LSP se refere a trabalhadores "mais" e "menos eficientes" -um pouco de ética religiosa aplicada à produção não faz mal a ninguém. Mas logo a seguir tropeçamos no primeiro problema epistimológico: a função pública é uma empresa? Os conselhos do "tal economista" não eram para as empresas? E aplicam-se ipsis-verbis num e noutro "sistema"? E nesse caso, porquê não ter pedido ao "tal economista" sugestões para explicar a ineficiência do sistema da função púbica?
Ocorreu-me, por outro lado, que se o "tal economista" poderia ter dado aquelas sugestões, também poderia ter dado outras: (1) mudar as chefias, os objectivos e orientações cada vez que muda o governo; (2) não criar nos trabalhadores qualificados qualquer expectativa de promoção aos lugares superiores da administração pública fora do circuito partidário (3) sugerir publicamente que para desempenharem bem as suas funções os trabalhadores da função pública terão de sentir a ameaça do desemprego. (Eu aqui, tal como o professor Cavaco Silva no debate com Soares, tive de me controlar, porque só me ocorriam coisas disparatadas, tal como "colocar os trabalhadores numa sala, durante uma manhã por mês, a ouvir professores de economia palestrar sobre o seu desempenho profissional, etc.)
Ou seja: havendo mais factores de desmotivação (chamemos-lhe assim) do que aqueles três que o professor LSP ouviu ao "tal economista", como pode ele assentar a sua palestra apenas naqueles? Foi o "tal economista" que lhe disse? Foi ele próprio que investigou?
Mas o pior - muito pior- decorre de uma outra afirmação do professor LSP: a de que "a questão que hoje nos devemos colocar não é porque é que os serviços públicos são de tão baixa qualidade mas sim como é que não são piores".
Exacto, meu caro LSP! Essa é que é a questão milionária!
Não sei se sabe que há um pressuposto, nestas coisas do pensamento, que é a racionalidade? Bem, deve saber, porque é evidente que o seu texto tem todo o ar de procurar a racionalidade: começando logo pelo recurso ao tal sábio economista. Então, caro professor, onde é que está a racionalidade dum sistema que deveria gerar mais desperdício, mas não o faz? E isto, ao ponto do caro professor LSP se espantar com a discrepância?
Coloquemos de novo a questão: o nosso "sistema" da função pública (1) paga o mesmo salário aos melhores e aos piores (2) nunca despede ninguém (3) nunca promove ninguém para uma função hierarquicamente superior (é isto, não é?). Porque diabo, então, não é totalmente ineficiente? Só pode haver uma resposta: há outras variáveis que o "tal economista" não levou em consideração. Claro que a culpa não é sua, mas sim dele. O "tal economista" esqueceu-se, talvez (também aqui tenho de ser cuidadoso...) de que as pessoas se realizam no trabalho de várias maneiras: desempenhando bem as suas funções, procurando responder ao esforço que lhes é solicitado (seja pelas chefias directas, seja - em termos culturais - pela sociedade). Ou simplesmente movidos pela sua própria auto-estima. Ou então, e em sentido oposto, podem ter receio de ficar mal vistos pelos seus colegas, ou de prejudicar alguém que com eles depois se zangue, ou ainda que lhe levantem um processo disciplinar.
Enfim: pode haver mais variáveis para além desse Trio Odemira com que o "tal economista" o presenteou. Havendo mais variáveis, levanta-se novo problema: qual o peso de cada variável? Teria esse "tal economista" investigado o problema? Terá algum "paperzito" publicado sobre o assunto?
Sabe qual é o nosso mal, professor LSP? É sermos muito ingénuos. Vai a gente a acreditar num economista, e depois sai-nos na rifa um superficial qualquer. Já viu o problema: o tal economista erra no diagnóstico, e depois é o caro professor LSP que, involuntariamente, erra na prescrição.
Por exemplo: prescreve bónus aos professores pelos diferenciais de avaliação dos respectivos alunos face a alunos do mesmo extracto-social... E como é que mede o sr. professor LSP o extracto-social dos alunos? A coisa vai por classes (estatísticas, é claro)? E os alunos são informados das classes a que pertencem? E o extracto-social dos professores não conta? (sejamos sérios: tem de contar, francamente!). E a comparação "alunos-do-professor vs. alunos-do-mesmo-extracto-social" seria feita no interior da mesma universidade? Do mesmo curso? De universidades diferentes? De Portugal? Da União Europeia?
Há uma outra coisa que me incomoda na argumentação do sr. professor LSP: é que faculta aos doentes que avaliem os médicos para efeitos de medição do desempenho destes últimos, mas já não concede essa benesse aos alunos relativamente aos professores. A que se deve tal diferença de tratamento? Acaso as curas (positivas e negativas, ou seja, não-curas) não teriam de ter em conta, também, o extracto social dos doentes, e bem assim, dos médicos?
Nos juízes o sr, professor LSP ainda nos confunde mais, porque, depois de ter conseguido avaliar quais os juizes mais e menos competentes (saltamos por cima do método), o sr.professor resolve castigar os mais competentes atribuindo-lhes, precisamente, os processos "mais complexos" - algo muito contraditório com o sistema "pau-e-cenoura" com que pretende disciplinar as outras profissões, incluindo a sua! Provavelmente, o sr. professor LSP, sendo altamente competente, não quererá ficar com as turmas "mais complexas", será isso?
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário