O suplemento de Economia do jornal Expresso de sábado passado inclui um artigo do professor José Luís Cardoso, presidente do Conselho Científico do Instituto Superior de Economia, de homenagem a António Manuel Pinto Barbosa, antigo professor daquela escola recentemente faleciso (ver entrada abaixo). É um artigo elogioso, mas omite que Pinto Barbosa foi impedido de continuar a sua actividade profissional após a Revolução de 25 de Abril de 1974, quer no Banco de Portugal, onde desempenhava as funções de Governador, quer no ISEG, onde foi objecto daquilo que se designava então por "saneamento". Podemos compreender que, dada a mudança de regime e de política económica, dificilmente Pinto Barbosa poderia continuar no mais alto cargo do banco central, embora não se conheçam quais as circunstâncias que o levaram a demitir-se por considerar "não ter condições" para continuar ali. Mas o cargo de Governador do Banco Central é por natureza temporário. Ora, o mesmo não acontece com a carreira docente, que era a de Pinto Barbosa. Era ao ISEG (então ISE) que deveria ter voltado a exercer a sua actividade. Se José Luís Cardoso - que, como presidente do Concelho Científico do ISEG não pode ignorar as ocorrências de 1974 - se limitasse a omitir o que se passou então naquela escola, isso seria grave. Mas o caso assume ainda maior gravidade quando este docente escreve que Pinto Barbosa foi então trabalhar para o estrangeiro (para o Banco de Pagamentos Internacionais, em Basileia) "mais por razões de imperativo moral do que por motivos de incompatibilidade". Até parece que o autor está a "desculpar" uma qualquer "fuga" de Pinto Barbosa! Ó caríssimo Professor José Luís Cardoso! Acha que Pinto Barbosa iria para o estrangeiro se não o tivessem impedido de leccionar na escola e na profissão que eram as suas, ainda mais tendo sido ele o criador daquela escola tal como existia na altura? Acha que isto não se trata de "incompatibilidade política"? E que raio serão essas "razões de imperativo moral"? Eu fui aluno do Instituto Superior de Economia e admiro aquela escola. Vivi lá esses anos abrasivos do antes e do pós 25 de Abril. Julgo compreender as razões históricas que levaram ao afastamento de Pinto Barbosa. Mas isso foi um colossal erro moral e político que importa admitir e explicar. O ISEG tem que fazer uma honesta avaliação desse tempo e penitenciar-se pelos erros que foram cometidos. Creio que ninguém melhor para o fazer do que a geração que presenciou ou protagonizou os acontecimentos, se por acaso tiver distanciamento suficiente para avaliar o que então ocorreu. Acho que a escola só tem a beneficiar com isso. Há claramente um imperativo moral e ético a exigir que seja assim. Mas há outra razão para fazer essa dolorosa avaliação. No contexto de combate ao regime salazarista/marcelista, os estudantes desenvolveram uma crítica violenta ao modelo do ensino universitário da altura. "Iluminados" por uma grelha de leitura soixante-huitard de dupla inspiração anarquista e marxista/maoista, decretaram a morte à escola-quartel, a escola que preparava quadros para a "exploração capitalista". Ora bem: essa era a escola que Pinto Barbosa ajudara a conceber. Não passou pela cabeça dos teóricos estudantis da altura que aquela era também uma escola keynesiana, o que, na altura e perante a ascenção da corrente monetarista e outras, era o mais à esquerda que se podia arranjar. Também se esqueceram de que professores como Pereira de Moura e Bento Murteira tinham sido os diligentes assessores de Pinto Barbosa para as reformas feitas na escola. Os estudantes - e muitos docentes - queriam era acabar com aquele tipo de ensino e tudo aconteceu como se o génio da garrafa lhes tivesse feito a vontade: na onda da Revolução, correram com os professores que entenderam, também ajudados nisto por outros docentes, e inventaram um sistema de ensino "novo", uma patetice baseada em "seminários" e com cadeiras pseudo-marxistas e avaliação contínua, com programas votados em reuniões de alunos, sistema que nem dois anos durou! Ou melhor: não durou, naquela escola, na sua formulação mais radical; mas o ensino facilitista que ainda hoje perdura em muitas escolas, nomeadamente no ensino secundário, garante a sua manutenção genética. Por isso, avaliar o contexto e motivos do saneamento de Pinto Barbosa da sua escola teria também a vantagem de podermos avaliar as consequências da extensão da revolução ao nosso sistema de ensino actual. O professor José Luís Cardoso diz que o exemplo de Pinto Barbosa "é digno do maior respeito e admiração". Eu penso que sim. Mas desejaria também poder dizer o mesmo do Instituto Superior de Economia, o que acontecerá quando essa escola admitir que errou no modo como tratou Pinto Barbosa. |
domingo, março 12, 2006
Respeito e admiração
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário