domingo, novembro 20, 2005

Acreditem - ou não.

«Apesar do vasto número de religiões, quase toda a gente no mundo acredita nas mesmas coisas: a existência de uma alma, vida depois da morte, milagres e criação divina do universo. Recentemente, psicólogos que investigam mentes de crianças, descobriram dois factos relacionados que podem contribuir para este fenómeno. Por um lado, os seres humanos chegam ao mundo com uma predisposição para acreditar em fenómenos sobrenaturais. Por outro lado, esta predisposição é uma consequência acidental de um desvio do funcionamento cognitivo.»

Paul Bloom, Is God an Accident?
The Atlantic online

O artigo citado é de acesso reservado a assinantes, mas o blogue Jewish Atheist transcreve grande parte:
«Nós somos dualistas: parece intuitivamente óbvio que o nosso corpo físico e uma entidade consciente - a mente ou a alma - são genuinamente distintos. Não sentimos que sejamos os nossos corpos. Pelo contrário, sentimos que os ocupamos, que os possuímos, que somos os donos. Esta crença abre a possibilidade de que possamos sobreviver à morte dos nossos corpos. (...) E as crianças acreditam mais nisto do que os adultos, sugerindo que a noção de que a vida depois da morte é possível não é aprendida - embora tenhamos que aprender qual o tipo especifico de vida depois da morte em que a nossa cultura acredita (céu, reincarnação, um mundo de espíritos, etç.). É uma consequência de como naturalmente pensamos acerca do nosso mundo.»
Mas, para os psicólogos citados por Bloom, isto é apenas metade da história:
«O nosso dualismo permite-nos pensar em entidades e eventos sobrenaturais; é por isso que tais coisas fazem sentido. Mas existe outro factor que torna a sua percepção evidente, irresistível. Temos aquilo a que o antropólogo Pascal Boyer designou como uma  hipertrofia da cognição social . Vemos intenção, objectivo, mesmo quando ele lá não está.

«Em 1944 os psicólogos sociais Fritz Heider e Mary-Ann Simmel realizaram um filme simples em que figuras geométricas - circulos, quadrados, triângulos - se moviam de certos modos sistemáticos, de forma a contar uma história. Quando viam este filme, as pessoas descreviam instintivamente as figuras como se fossem tipos específicos de pessoas (rufiões, vítimas, heróis) com objectivos e desejos, e repetiam em boa medida a mesma história que os psicólogos pretenderam contar.

«Stewart Guthrie, um antropólogo da Universidade de Fordham, foi o primeiro académico moderno a reparar na importância desta tendência como explicação para o pensamento religioso. No seu livro "Faces in the Clouds", Guthrie revela casos e experiências que mostram que as pessoas atribuem características humanas a uma surpreendente gama de entidades do mundo real, incluindo bicicletas, garrafas, nuvens, fogo, folhas, chuva, vulcões, vento,etç. Somos hipersensiveis a sinais de agência - de tal forma que vemos intenção onde apenas existe artifício ou acaso. Tal como Guthrie escreveu, as roupas não têm Rei.
(...)
«O problema que ocorre com a [ teoria darwiniana da ] selecção natural é que não faz sentido em termos intuitivos. É como a física quântica: podemos aflorá-la intelectualmente, mas nunca nos há-de parecer certa. Quando vemos uma estrutura complexa, vemo-la como o resultado de crenças, objectivos e desejos. O nosso modo social de compreensão torna difícil aceitá-lo de outro modo. O nosso instinto exige um criador - um facto que é compreensivelmente explorado por aqueles que argumentam contra Darwin.
(...)
«Não é por isso surpreendente que se encontrem em formação nas crianças pontos de vista criacionistas. Miúdos de 4 anos insistem que tudo tem uma intenção, incluindo leões ("ir para o Zoológico") e nuvens ("chover"). Quando se pede para explicar porque é que um agregado de rochas é pontiagudo, os adultos preferem uma explicação física, enquanto que as crianças preferem uma funcional, tal como "para que os animais se possam roçar nelas quando têm comichão." E quando se lhes pergunta sobre a origem de animais e pessoas, as crianças tendem a preferir explicações que envolvem um criador intencional, mesmo quando os adultos que os educam não o fazem. O criacionismo - a e crença em Deus - está inserida no mais profundo de nós.»