As citações que se seguem são de Laurie Garrett, jornalista [1], em entrevista incluída na revista "Pública" (jornal "Publico" de ontem). Laurie fala acerca da potencial pandemia que pode vir a surgir da mutação do virus da gripe das aves, o H5N1. Creio que deveríamos dar mais atenção a este problema. De acordo com as declarações desta especialista, as possibilidades são preocupantes: os virus já existente tem uma taxa de mortalidade impressionante, chegando a 100 % em algumas espécies de aves, e 55% entre os humanos infectados. As hipóteses de mutação são elevadas, mas não se pode saber se essa mutação ocorrerá ou se, ocorrendo, será mais ou menos mortífera para os humanos. Laurie está particularmente preocupada com os dados recentemente divulgados acerca da Gripe Espanhola de 1918, que também resultou de uma gripe das aves que evoluíu para infectar directamente os humanos, e que apresenta semelhanças com o H5N1, o virus actualmente sob suspeita. |
«A ideia de que podemos ter uma estirpe com uma taxa de mortalidade de 55% é um verdadeiro pesadelo. E o mundo não está preparado para isso. É preciso lembrarmo-nos de que de que a gripe de 1918 teve um taxa de mortalidade de menos de 5% e que, ainda assim, matou mais de 50 milhões de pessoas.»
Ou seja: tanto pode acontecer que venham a ocorrer centenas de milhões de mortes, como pode não acontecer nada. O que se deveria fazer nestas circuntâncias: prevenir o pior cenário, desencadeando já acções de âmbito médico e farmacêutico, que custarão uma fortuna colossal, podendo tais medidas não vir a ser necessárias? Segundo Laurie: |
«Isto é o tipo de coisa que não funciona bem com a política. Os políticos, independentemente das ideologias, só estão nos seus cargos por um período de tempo, e a seguir têm que estar preocupados em ser reeleitos. Ninguém quer ser conhecido como a pessoa que gastou milhões com algo que não aconteceu, mas também ninguém quer ser o rsponsável por uma crise. Por um lado, ninguém pode dizer: sim,vamos definitivamente enfrentar uma crise de gripe no próximo ano. E também ninguém pode dizer que se gastarmos 3 mil milhões de dólares podemos proteger todos os norte-americanos. Ou que com quatro mil milhões de dólares podemos proteger os europeus.»
Acontece também - creio eu - que há aqui um efeito perverso das declarações públicas dos políticos. É importante que se evite que o pânico se instale nas populações e, para isso, os políticos emitem declarações tranquilizadoras, dizendo que não há motivo para alarme, e que (como já ouvi em Portugal) no pior dos cenários as medidas já tomadas são suficientes. Porém, tais declarações, não correspondendo à realidade, enganam os cidadãos e poderão contribuir para decisões erradas. Se os políticos convencerem os cidadãos de que a situação é potencialmente menos grave do que na realidade é, então não se justificarão medidas excepcionais, nem da parte do Estado nem dos particulares. Outro aspecto preocupante das declarações de Laurie Garret tem a ver com o modo como os especialistas estão a gerir a informação científica, particularmente na indústria farmacêutica: |
«Há as farmacêuticas que pensam no seu lucro, que operam em segredo e que não estão dispostas a partilhar tudo aquilo que sabem. Ainda não conseguimos obter junto da Roche toda a informação sobre o Tamiflu [antiviral capaz de tratar a gripe humana] e este é o único salva-vidas que temos neste momento. Tudo aquilo que eles nos dizem é que é muito difícil de produzir. Perguntamos porque não produzem uma maior quantidade e respondem apenas que é mesmo muito difícil. É só isso que ouvimos. Não podemos esperar o mesmo nível de cooperação que tivemos com o SARS [síndrome da insuficiência respiratória aguda, de 2003] porque o SARS não dispunha do mesmo potencial de lucro que a gripe.»
Acerca da hipótese de propagação do virus, Laurie acha que é inutil banir a venda de aves domésticas, mas dá grande importância à prevenção da possível transmissão das aves migratórias para as aves domésticas: |
«Podemos decidir exterminar todos os pássaros migratórios, o que me parece que seria uma coisa horrível. Ou podemos dizer que temos que quebrar a cadeia de interacção entre os pássaros migratórios e as aves domésticas. É uma coisa simples que os agricultores podem fazer. No mundo rico é muito mais fácil do que se pensarmos num agricultor pobre no meio da Indonésia. Isso devia estar a ser feito por todos os agricultores da Europa. Há muitas formas simples de criar barreiras.»
Pois é. Mas ainda há dias ouvi um responsável da Quercus minimizar este perigo, dizendo que as aves que recebemos do norte da Europa não vêm dos países onde já se detectou o virus, portanto nada de preocupações. P que vale é que estes ecologistas são especialistas em tudo... Estas declarações foram pronunciadas por um médico que eu conheço, que é uma excelente pessoa, mas que não é especialista em epidemologia nem em aves. Sobre o assunto, a página da D.G.Saúde apenas reproduz o artigo de opinião do seu Director[do "Público" de hoje] em estilo descontraído, cuja única conclusão é "Cada pandemia é seguida de epidemias anuais até ao aparecimento de nova pandemia. E assim por diante...", e um link para a a deliberação da Comissão Europeia tomada no passado dia 13, suspendendo a importação de produtos avícolas da Roménia. Dada a sua gravidade, creio que a blogosfera devia dar mais atenção a este assunto. Textos relacionados: Encontrei (via Technorati) algumas referências na blogosfera portuguesa, mas em geral não dando grande importância ao perigo: apenas as usuais alfinetadas nas autoridades. Adenda: entretanto o Adufe e o Tugir referiram o problema, com link para o "pura economia", que agradecemos. Sobre Laurie Garret: Jornalista e escritora, Laurie Garrett já venceu os três principais prémios de jornalismo dos EUA: Polk, Peabody e Pulitzer, este último por uma reportagem acerca do virus Ébola. Laurie demitiu-se recentemente do "Newsday" [da "Tribune Corporation] após 15 anos de trabalho naquele jornal. Nota enviada aos colegas: |
«Os responsáveis do "Times Mirror" e do "Tribune" provaram ser o espelho da tendência geral existente no mundo dos média: primeiro estão ao serviço dos accionistas, depois de Wall Street, e algures lá para o fim da lista estão os seus leitores.»link para este post: http://puraeconomia.blogspot.com/2005/10/o-pesadelo-h5n1.html
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