segunda-feira, outubro 03, 2005

Leis naturais

Continuando a sua saga contra a troca de ficheiros musicais via Internet, a Recording Industry Association of America (RIAA) anunciou ter desencadeado processos judiciais contra 757 pessoas "autoras de roubos através da Internet", incluindo redes de computadores em 17 campus universitários.

Sobre esta batalha, escreveu o Angry Economist:
«Penso que toda a gente está ao corrente do ataque lançada contra a distribuição de música sob forma digital através da partilha de ficheiros P2P (Peer to Peer). As pessoas podem partilhar a sua colecção de música digitalizada ao mesmo tempo que carregam ficheiros musicais de outras pessoas. Claramente, aquele ataque é uma violação da lei dos direitos de autor [copyright law].

«A lei dos direitos de autor tem contudo duas expressões: a lei do governo (a lei escrita, apoiada pelo poder do Estado) e a lei natural (o modo como as coisas funcionam na ausência da lei estatal). Muitas pessoas não compreendem a lei natural. Pensam que a lei só pode existir dum único modo: através da acção legislativa elaborando a lei, da acção executiva fazendo aplicar a lei e da acção judiciária interpretando a lei.

«A lei natural, no entanto, existe, e aqueles que a quebrarem arriscam-se. Por exemplo, existem leis naturais da termodinâmica, da velocidade limite da propagação do som, ou da luz. Oiço as pessoas referirem-se a estas leis como meros factos físicos do universo. E, no entanto, não é a natureza humana também um facto físico do universo? A pessoa média quer viver e fará tudo (excepto matar-se) para o conseguir. Portanto, existe uma lei natural contra o assassínio. As pessoas tomam medidas para que não venham a ser assassinadas ou, se o forem, que o seu assassino seja também morto. O Estado nada tem a ver com estas leis naturais, embora [a acção do Estado] seja um modo possível de exprimir as leis naturais.

«O Estado não pode mudar as leis naturais.

«A RIAA tem violado a lei natural dos direitos de autor. Conseguiram assegurar que o copyright nunca expire. A lei natural dos direitos de autor é um negócio entre os editores de obras protegidas e os destinatários das obras protegidas. Os editores prometem que eventualmente colocarão as obras no domíno público, e os destinatários prometem não fazer cópias. Claramente a RIAA violou a lei e está a sofrer as consequências de o ter feito. Sempre que as leis do Estado não correspondem às leis naturais, vemos violações massivas da lei do Estado.»
Creio que há uma falha (pelo menos) neste raciocínio: as leis "escritas" que protegem os direitos de autor são, elas próprias, o resultado de uma "negociação" que decorre na sociedade. A protecção dos direitos de autor outorgadas inicialmente através das "Patent letters" (cartas "abertas", para conhecimento de todos, por contraste com outras missivas, fechadas e seladas) contribuiu poderosamente para o empreendedorismo e inovação que moldaram a sociedade contemporânea. Poder-se-á talvez defender que essa "negociação" se encontra hoje enviezada, mas defender a liberdade de cópia só porque existe uma "lei natural" que a legitima, não é argumento válido.

Há de resto uma expressão neste texto que é significativa: "Os editores prometem que eventualmente colocarão as obras no domíno público, e os destinatários prometem não fazer cópias"; ou seja, todos mentem. É um argumento muito frágil.

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