sexta-feira, setembro 23, 2005

Castigo altruísta

As investigações - e descobertas - da "neuroeconomia" e da "neurociência cognitiva" podem ter aplicação em muitas das actuais áreas curriculares; na realidade, em todo o campo das denominadas ciências sociais: Economia, Sociologia, Direito, Antopologia, etç.

O artigo científico "The Neural Basis of Altruistic Punishment ", de Quervain e outros, descreve mais uma experiência que encontrou evidência acerca do comportamento designado como "castigo altruísta" - ou seja, de que o ser humano obtém prazer com a punição daqueles que violam as normas sociais, mesmo incorrendo ele próprio em custos. A mecânica da experiência encontra-se descrita aqui.

As implicações deste tema na Economia são evidentes: já que a teoría económica dominante assenta no pressuposto do comportamento individualista egoísta. Outras correntes, como o institucionalismo, admitem que o comportamento individual se possa submeter ao interesse colectivo: o que é coerente com o castigo altruísta. Mas o Direito também beneficia destas investigações, que poderão explicar comportamentos como a vingança. Estudos de Antropologia, por outro lado, referem que a vingança é o motivo para a guerra mais frequentemente referido por guerreiros tribais (artigo).

O "castigo altruísta" tem sido objecto de muita literatura científica, podendo referir-se:

  • "The Economics of Altruistic Punishment and the Demise of Cooperation", onde se sugere que "o castigo altruísta é importante na evolução da cooperação [mas] apenas em combinação com outros factores indutores de cooperação, tais como a reputação e a reciprocidade ou a possibilidade de desistir.

  • "The evolution of altruistic punishment": "em experiências laboratoriais as pessoas castigam os não-cooperadores à custa deles próprios, mesmo em interacções pontuais, e os dados etnográficos sugerem que este castigo altruísta ajuda a manter a cooperação nas sociedades humanas."

  • "Altruistic Punishment and the Origin of Cooperation"

  • "The Economics of Altruistic Punishment and the Demise of Cooperation", onde se refere que a "decisão de punir decorre de uma amálgama de respostas emocionais e análise cognitiva custo-benefício", e que "a economia do castigo altruísta conduz ao fim da cooperação quando o castigo é relativamente caro e/ou tem fraco impacto".

  • "Altruistic Punishment in Humans"
  • 5 comentários:

    Anónimo disse...

    Para compreender melhor o "Castigo altruísta", eu pensei no seguinte exemplo concreto: Publicamente chamo a atenção do "chefe" porque comete uma injustiça flagrante. Deste acto apenas eu vou saír prejudicado, embora o comportamento do chefe naquele momento tenha sido "punido". É isto?

    Joao Augusto Aldeia disse...

    Creio que não: não se trata aqui de castigo simbólico, mas sim da aplicação de um castigo efectivo (multa, prisão, linchamento, etç). O paradoxo está em um indivíduo - que aplica o castigo, ou que toma conhecimento de que o castigo foi decidido ou aplicado - sentir satisfação por esse facto, em situações em que ele próprio também acaba por ser prejudicado com a existência desse castigo. É o caso, por exemplo, dos assassinios por vingança, em que a pessoa que aplicou o castigo acaba por também ser penalizada.

    A teoria económica dominante - neo-clássica - tem como pressuposto que o indivíduo age sempre no seu próprio interesse, maximizando a sua satisfação ("utilidade") ou o lucro, e não no interesse da sociedade.

    Veja-se a famosa citação de Adam Smith para caracterizar a "mão invisível": : "Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro, ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm os seus próprios interesses." Ou seja: cada empresário quer é a sua própria satisfação (egoísmo) mas para isso tem de nos fornecer produtos, logo o resultado dos egoísmo de cada um acaba por ser, involuntariamente, o bem comum.

    As experiências referidas sobre o "castigo altruísta" provam que o homem nem sempre age com egoísmo, pode agir de forma altruísta (sacrificando-se em nome do colectivo), e isto de certo modo nega um dos pilares da economia neoclássica e dos defensores do mercado concorrencial como o supremo mecanismo de regulação da vida económica e social.

    Anónimo disse...

    Então podemos concluir que todos os castigos são altruístas?

    Os juízes, os polícias aplicam o castigo, mas eles próprios podem vir a sofrer esse mesmo castigo, caso cometam a respectiva falta.

    Por sua vez as pessoas fora do sistema judicial, muitas concordam com o castigo imposto ao infractor, sabendo que elas próprias ao cometerem falta semelhente podem sofrer a mesma punição.

    Peço desculpa mas há qualquer coisa que me está a escapar.

    Joao Augusto Aldeia disse...

    A situação que foi simulada na experiência é a de que se aplica um castigo, o qual provoca satisfação a alguém, apesar de simultaneamente incorrer em custos. Estes custos têm de ser simultâneos (não condicionados ao próprio violar também as regras).

    Um exemplo disto seria uma comunidade com uma norma segundo a qual, se alguém cometer determinada infração, todos serão igualmente castigados. Do ponto de vista racional e egoísta, não faz sentido sentirmo-nos satisfeitos por alguém ser castigado por ter violado uma regra, se nós formos castigados também (ou penalizados de qualquer forma). No entanto, faz sentido do ponto de vista colectivo.

    Anónimo disse...

    Agora compreendi, obrigado.