O problema da protecção dos direitos de autor, nomeadamente no ambiente da Internet, é uma questão algo complexa, mas cuja principal incidência, em termos económicos, poderá ser resumida da seguinte forma: a protecção de uma criação/invenção produz um monopólio. Ou seja: se quisermos adquirir aquele produto, teremos de recorrer ao seu único produtor: o autor da criação protegida. Eventuais réplicas terão de igualmente de ser autorizadas pelo autor.
Este monopólio visa a remuneração do trabalho criativo realizado, mas igualmente o incentivo a novas criações.
No entanto, as situações de monopólio não são desejáveis, do ponto de vista de funcionamento dos mercados. Por isso, os monopólios criados no âmbito da protecção dos direitos de autor são sempre temporários, visando atingir os dois objectivos: a protecção/incentivo do acto criador e - algum tempo depois - o estabelecimento de condições concorrenciais no mercado de oferta e procura dessas obras.
Como é sabido, na cultura da esfera informática e da Internet encontra-se muito difundido o espírito da liberdade de acesso e de uso. O grande argumento desta corrente é a de que, se a Internet tivesse sido objecto de uma protecção inicial dos de direitos de autor, nunca teria tido o desenvolvimento exponencial que teve. E o certo é que, dessa "liberdade", hoje todos beneficiam, desde os consumidores às empresas.
Na minha opinião, a fronteira entre a protecção total e a liberdade total (de uso das inovações, artísticas ou outras) não tem uma linha de demarcação única: cabe à sociedade, através do processo legislativo democrático, decidir quais as situações em que deve ocorrer essa protecção, o respectivo prazo de duração, etç. Caminhando mais no sentido da protecção, incentiva-se mais a criação, mas limita-se o respectivo mercado (situação que prejudica tanto consumidores como produtores); caminhando mais no sentido da liberdade, protege-se e incentiva-se menos a criação mas alarga-se o acesso a esses bens. Trata-se de um trade-off, uma escolha a fazer.
Posso exemplificar com o domínio musical: necessitei há poucos dias de obter uma gravação de uma música da Filarmónica Fraude, de um disco de 1969. Como este disco nunca foi reeditado (embora a canção o tenha sido em algumas colectâneas), eu simplesmente não tive acesso à sua aquisição. No caso das colectâneas, se as encontrasse, teria de adquirir, juntamente com a canção pretendida, outras canções de outros músicos, etç. - uma situação pouco confortável.
Aconteceu que encontrei a canção disponível, em ficheiro mp3, na net: fiz o respectivo carregamento e fiquei com a canção, de borla.
É certo que houve aqui uma infracção aos direitos de autor: ou minha, ou de quem a disponibilizou on-line, ou de ambos. Mas não havia simplesmente alternativa.
Imaginemos que as editoras destas canções tinham feito o "trabalho de casa" e tinham disponíveis, para venda, estas canções on-line:eu teria todo o gosto em fazer a respectiva aquisição; seria até preferível, do que comprar todo o disco. Eu ganharia com esta situação (porque teria muitas outras músicas disponíveis, já que a disponibilidade desta foi uma grande coincidência), os autores ganhariam, as editoras também ganhariam. Esse ganho decorreria, nomeadamente, dos baixos custos desta operação, comparativamente com a necessidade de fabricar CDs, armazená-los, distribui-los, etç.
A situação existente é a de que as editoras portuguesas não se adaptaram aos avanços tecnológicos, enquanto que os consumidores (alguns, pelo menos) recorrem a essas tecnologias. Aquele défice de adaptação tecnológica não pode ser "premiado" com a protecção dos direitos de autor de editoras que pretendem continuar comodamente no universo dos CDs. Há quem diga que "os mercados não dormem", e este é um caso. Porque hei-de ter que pagar por um CD, quando eu só quero uma música daquele conjunto – o que a tecnologia me permite ?
Por isso, concordo com a protecção dos direitos de autor e com a limitação do acesso livre a obras cuja propriedade intelectual é já hoje protegida - e com a que venha a sê-lo no futuro - mas apenas desde que o dinamismo empresarial me permita usufruir do progresso tecnológico, tendo acesso aos bens de modo amigável, com grande rapidez e a baixo custo. Caso não seja assim, a tecnologia acabará por ser aproveitada por quem melhor a souber aproveitar - neste caso, o consumidor.
Adenda:
Sobre este assunto, estão disponíveis na net os seguintes textos, abrangendo diversos pontos de vista:
conceito de copyleft (por oposição a copyright) - uma espécie de copyright libertário, ou de esquerda, concebido como um "meio de proteger o trabalho das pessoas, mas sem impedir que outras pessoas o reproduzam ou copiem";
3 comentários:
Quais editoras portuguesas?
Por exemplo: a editora que detém os direitos da Filarmónica Fraude - ou qualquer dos aquivos de música portuguesa..
Mais outra descoberta interessante, e via LA-C. Vou ler com atenção. "Até já".
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