Apesar de todo o racionalismo e do preciosismo das várias casas decimais (como aconteceu com o défice estimado por Vítor Constâncio) o pessoal continua, muito romanticamente, a preferir os números redondos e a encontrar "verdades" cabalísticas, reveladas através de números mágicos. Foi o que aconteceu quando se tomou conhecimento, através da proposta de orçamento rectificativo, de que o peso do Estado tinha, pela primeira vez, ultrapassado a "barreira" dos 50 % do PIB.
"Maldição!" - gritaram os feiticeiros e os aprendizes. Correia de Campos poderia ter aproveitado para filosofar: "ainda bem, é a parte oculta do icebergue que se torna visível", ou então: "é sinal de que há cada vez mais solidariedade social".
Contudo, vem agora o ministro das Finanças (que cada vez mais se afigura como um erro de casting) reconhecer que se enganou nas contas (ler notícia):
«no comunicado emitido ao final da tarde, o Ministério das Finanças explicava que na passagem das contas do critério da "contabilidade pública para a contabilidade nacional" houve a "dupla inscrição de verbas relativas a movimentos de capital entre o subsector Estado e os restantes subsectores".»Pois, é tudo muito bonito, mas como é que fica o peso do Estado ? Passa ou não passa a barreira dos cinquenta ?
«Campos e Cunha admitiu que o montante final não está ainda apurado “mas será certamente acima dos 49 por cento [do PIB] e certamente abaixo dos 50 por cento”.»Afinal, quem é que se enganou: o cavalo, ou quem anda a montá-lo ? Que tristeza: lá terão os comentadores que colocar a viola no saco. Os caracóis, envergonhados, recolherão os palitinhos à casca. Os almocreves tirarão, pesarosos, os cavalinhos da chuva. E eu, muito dylanescamente, pensarei por pautas de música:
But you who philosophize disgrace
And criticize all fears,
Take the rag away from your face
Now ain't the time for your tears.
3 comentários:
O que parece ser trágico é termos um país completamente descridibilizado, ou melhor, as autoridades públicas completamente descridibilizadas, tanto a nível interno como externo.
Desde o ministro das finanças ao governador do banco central, desde o PR até à oposição.
Depois do "puxão de orelhas" da Comissão Europeia vem a Standard and Poors pôr o dedo na ferida: Portugal está a caminho da completa falência financeira do Estado.
Todos vêm o que se está a suceder mas ninguém faz nada para mudar o actual rumo das Finanças Públicas. Como se fosse inevitável, como se fosse determinismo económico e político. O Karl Marx se fosse vivo ria-se com uma vitória de algumas suas ideias.
Compre-se outras calculadoras que as portugueses têm um vírus chamado Estado.
Sempre asim foi, sempre assim será. Troque-se apenas calculadoras por abácos, e temos o verdadeiro problema lusitano, ao longo da nossa história colectiva.
Não sejamos tão injustos com o lcc. Pode não ser o melhor político, pode até nem ser bom político, mas toda a gente pode errar e a única coisa que podemos culpá-lo é de falta de retórica, de marketing, de polidez. Porque se trata de um dos melhores economistas portugueses de sempre, e isso tenho a certeza: eu estive lá seis meses a ouvi-lo, e sei. Ele é um excelente crítico de si mesmo e tenho a certeza que dará a volta. Se não der, tanto melhor para ele, que tem demasiado talento para estar em política.
A questão do desempenho de um ministro não é puramente técnica. Autoridade e liderança são atributos essenciais e para os quais o domínio técnico não é suficiente.
Certamente ninguém acusa o ministro de se ter enganado a fazer contas. Mas ele dirige uma equipa, e essa equipa cometeu um erro. Quantosmais cometerá ?
Curiosamente, o erro - de umas décimas em termos de rácio, embora de muitos milhões - deu azo a um amplificado coro de profetas da desgraça, a propósito da passagem, "pela primeira vez", da barreira dos 50 %. Se isso não é importante, para quê tanta histeria ?
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