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«O instituto é generoso. Permite aos magistrados sem gabinete no tribunal desenvolver um estilo de trabalho muito especial. Não têm que se preocupar com a assessoria de funcionários, podem dispender dias a fio a "scanear" os relatórios da matéria de facto dos acordãos, têm o conforto das pantufas e do pijama. Há os que podem ter saudades da vida de tribunal, do tribunal a sério, com juízes, Procuradores e funcionários e tudo, mas o que é isso perante a largueza de horários, a felicidade da entrega à porta dum catrapázio que pode ultrapassar os trinta volumes ?»Gosto muito da Maria José Morgado, mas tenho de admitir que, na primeira vez que a vi, me pregou um valente susto: foi ainda antes da Revolução, por volta de 1972 ou 1973; tinha havido no ISEG uma convocação boca-a-boa para o Hospital de Santa Maria, para uma possível manifestação de estudantes; o local era um piso inferior, um longo corredor onde se localizava a Associação de Estudantes, mas por onde também circulava gente de todo o género: médicos, doentes, etç., não se distiguindo quem seriam os possíveis contestatários - ou pelo menos eu, recém-chegado a Lisboa, não distinguia. O tempo passava sem acontecer nada e eu a ficando enervado. Subitamente uma estudante de samarra e cabelo curtinho, que eu via pela primeira vez - era a MJM - subiu para cima de uma cadeira e começou a fazer um discurso inflamado: contra o regime, contra a guerra, contra a PIDE. Muitas das pessoas afastaram-se rapidamente daquela zona, enquanto um pequeno grupo de estudantes se aglomerava em volta da oradora.
Eu nem queria acreditar: convenci-me de que, mais minuto menos minuto, a polícia apareceria e seria tudo preso: afinal, dizia-se que a Pide tinha informadores em todo o lado. Passei um mau bocado, ali naquele corredor claustrofóbico, mas aguentei-me. Pensando no assunto, creio que acabou por ser um ritual de passagem.
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