Miguel Cadilhe escreveu para o jornal Público de hoje um longo artigo, "A reforma do Estado e o dilema do reformador", onde desenvolve as propostas que tem vindo a fazer recentemente para reforma do país, nomeadamente no domínio económico.
Trata-se de um excelente artigo. Critica "o evolucionismo, que alguns alvitram, [porque] pode agravar-nos atrasos" e recomenda o reconceitualismo, "via de antecipação de problemas e soluções, transmutação de ameaças em oportunidades, viragem de tendências. Num programa alongado e a-par-e-passo, que não recomendo, reemergem burocratas, sindicalistas e grupos de interesses, esvai-se o political momentum".
Cadilhe analisa os mecanismos com que a burocracia anula os impulsos de mudança e propõe um "Estado robusto, pequeno, eficiente, moderno. Estado pessoa de bem, contido e cumpridor, Estado pessoa de boas contas", por meio de três objectivos intermédios:
« i) reconceituar fins, funções, regimes;Cadilhe especifica e quantifica metas (rácio DCP/PIB de 27 a 30 % no final do programa de 4 anos) e enuncia um programa de financiamento: um fundo extraordinário de investimento alimentado por três espécies de receitas: dívida pública longa, fundos europeus, venda de património (incluindo as reservas de ouro).
ii) modernizar atitudes, meios, organização e gestão;
iii) reduzir o peso relativo da despesa de funcionamento corrente.»
No domínio fiscal, em alternativa ao aumento de taxas (dado que a carga fiscal é "já elevada e anti-competitiva") propõe o alargamento de bases de incidência.
Trata-se de uma proposta inovadora - em grande medida já conhecida - mas que tem sido ignorada no debate actual, seja para adesão seja para contestação. Neste artigo Cadilhe inova também em termos semânticos, algo que habitualmente se despreza mas que é sempre importante para qualquer impulso de mudança.
Trata-se também de uma posição clara e clarificadora. E contesta abertamente a política dos pequenos passos defendida pelo actual governo que, se bem me lembro, teve o apoio do actual líder do PSD no debate no Parlamento.
1 comentário:
Miguel Cadilhe tem um longo e importante historial na gestão da banca. Todos sabemos que o sector da banca iniciou a sua reestruturação com a reprivatização que continua ainda em curso, não se sabendo ao certo quando será dada por concluída. Durante esta fase milhares de trabalhadores foram afastados através de negociação, mais ou menos consensual, mas tem sido um processo planeado a longo prazo. Este processo procurou evitar, e até ao momento conseguiu-o, conflitos laborais sérios no sector que, razões de imagem e estabilidade na banca, a todo o custo interessam evitar.
Tirando a desmobilização de muitos milhares de militares, no fim dos anos 70, a função pública não tem parado de crescer, primeiro com a chegada de muitos funcionários vindos das ex-colónias e também como recurso para contrariar a falta de emprego no sector privado. A região autónoma da Madeira é um exemplo paradigmático desta última estratégia.
Sugerir, sem mais, a redução de efectivos na função pública, é uma atitude simplista que nenhum governo tem capacidade política de levar a cabo, independentemente, da maioria que lhe for favorável. Isto, salvo se o país estiver interessado em enfrentar uma crise social de contornos difíceis de imaginar.
Assim, os desequilíbrios financeiros que o Estado português enfrenta terão de ser resolvidos, com planeamento e a longo prazo. Os agentes políticos, de uma maneira geral, estão conscientes disso, embora por razões óbvias não o expressem.
O Dr. Miguel Cadilhe cujos méritos como economista são plenamente reconhecidos, também está consciente da limitação que pesa sobre a governação, provavelmente, o seu grande desejo de ver as finanças públicas saneadas o leve a esquecer o que o sector a que já esteve ligado (a banca) fez nos últimos quinze ou vinte anos.
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