sexta-feira, março 04, 2005

U2 para o jantar


Só agora li o post do Insurgente FCG que, a propósito das filas para aquisição de bilhetes para o concerto dos U2, se candidata a dar uma lição de moral (e de Economia) à "esquerda". Vale a pena ler o raciocínio expresso, não tanto pela sua elegância, que tem, mas sim pela falácia implícita no silogismozinho manhoso. A saber, e segundo o Insurgente FCG:
a) o processo de venda de bilhetes para o concerto dos U2 não beneficia os seus maiores fãs - que estariam dispostos a pagar mais - mas sim quem está disposto a esperar mais (ou, em economês, "quem tem um custo de oportunidade do tempo mais baixo");

b) este «mecanismo de racionamento pelo tempo de espera é o "preço em vigor" no Serviço Nacional de Saúde»;

c) logo, e ao contrário do que a esquerda pensa, «suprimir o preço monetário não "elimina" o mercado; torna-o simplesmente mais perverso no funcionamento.»
Acontece que o tempo é um recurso equivalente ao dinheiro (e nele convertível); os U2 (e ainda mais os concertos dos U2) atraiem mais os jovens, cujo maior recurso (e melhor distribuído) é o tempo; se os bilhetes fossem vendidos em leilão, seriam comprados pelas pessoas com maiores rendimenos e/ou riqueza, e não pelos mais fiéis fãs da Bono-band.

A comparação do bem "concertos dos U2" com o bem "serviços do SNS" não é legítima embora em certas cabecinhas, para quem o mercado é Deus, tudo seja mercadoria e tudo se deva reger pela mesma "lei divina"); se os cuidados de saúde fossem distribuídos em função do mecanismo de mercado (por leilão, ou a custos de produção) não seriam as pessoas que mais os necessitam, ou que mais os valorizam, a recebê-los.

Também acontece que nem todos os serviços do SNS estão sujeitos a filas de espera, e ainda menos que se "morra à espera"; as situações extremas que os noticiários morbidamente valorizam não deveriam servir para generalizações abusivas como esta, particularmente se se arvora o nobre título de economista.

O Insurgente FCG faria melhor em aplicar aos seus raciocínios o mote da casa: «Democracy must be something more than two wolves and a sheep voting on what to have for dinner».

( Não quero arvorar o meu economês, que também arranho, mas, a ser convexa a curva de oferta de trabalho, são os trabalhadores melhor remunerados quem tem mais tempo livre para comprar bilhetes dos U2 e assim. )

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