terça-feira, janeiro 25, 2005

O essencial e o acessório


Já se percebeu que esta campanha se está a concentrar em aspectos acessórios (datas e número de debates televisivos, características psicológicas dos candidatos, etç). A causa disto tanto pode estar na baixa qualidade dos próprios candidatos, como na apetência do eleitorado para estas superficialidades. O Presidente da República diz que o povo português já mostrou no passado que quer saber é da substância das propostas eleitorais e não de outras coisas, mas eu não estou tão seguro disso.

Ao acusar Sócrates de ser como aqueles meninos que têm medo de brincadeiras e ao sugerir (sem o enunciar) o nome que se costuma chamar a esses meninos (tanto quanto sei, será "mariquinhas" ou equivalente), Santana Lopes tenta fazer uma ligação com características pessoais de Sócrates que supostamente o diminuiriam para o exercício de cargos públicos. Santana Lopes não enuncia essas características porque tal seria politicamente incorrecto, mas não deixa de jogar na calúnia, ou no "escândalo", ainda que não expressamente enunciado.

Coisa semelhante fez Francisco Louçã quando, num debate televisivo, aludiu a que Paulo Portas, não tendo filhos, não estaria qualificado para tomar posição sobre o aborto. A diferença entre Santana Lopes e Francisco Louçã é que a insinuação deste último foi proferida no contexto de um acalorado debate, e a insinuação de Santana tem ar de ter sido pensada, pois encaixa noutros "argumentos" de desvalorização do candidato do PS, como o de afirmar que no PS é Vitorino quem tem ideias e não Sócrates.

Louçã pronuncia-se sobre a sua insinuação num artigo inserido no Público de hoje. Seria uma boa oportunidade para corrigir o lapso do debate, mas Louçã não chega lá. O melhor que consegue, depois de reafirmar o seu posicionamento "moderado" sobre o aborto, é admitir isto: "não sei se o defendi sempre da forma mais esclarecedora".

Não sabe ? Então o homem de tantas e tão firmes convicções não sabe uma coisa tão simples ? Foi ou não correcta a afirmação que fez ? Pode ou não Paulo Portas, embora não tendo filhos, ter uma opinião sobre o aborto ? E a opinião de outras pessoas que concordam com Louçã nesta questão e não têm filhos, também não vale ?

Isto faz lembrar muito um tique do sectarismo marxista (de onde Louçã vem e de onde talvez nunca tenha saído, apesar da cosmética bloquista) que, achando que tem razão, nunca pode admitir qualquer discrepância ou contradição de discurso. A convicção do acerto da ideologia transfere-se para o partido (ou para dirigente partidário) e portanto tudo o que se diz está sempre certo por definição. O conteúdo é tão certo que se sobrepõe esmagadoramente à forma. A ideologia está tão certa que qualquer prática feita em seu nome está justificada por princípio. Isto, como se sabe, teve consequências terríveis na vida dos povos (e das pessoas) que foram sujeitas à ideologia marxista, anulando a hipótese de debate e ferindo de morte a racionalidade que supostamente os governaria rumo a um mundo melhor.

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