sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Conferência do Banco de Portugal

Assisti à Conferência do Banco de Portugal, onde se destacaram as intervenções de Vítor Constância, bem como, e sobretudo, a de Olivier Blanchard.

Vitor Constâncio fez uma espécie de retrato negativo das causas da divergência da economia portuguesa face à UE (não é a evolução dos preços relativos, não é a intensidade das reformas nem a qualidade das nossas instituições, não são as diferenças de fiscalidade, não é a regulação do mercado, etç.) Salientou, por outro lado, a capacidade potencial existente para absorção de tecnologia, daí a importância que o investimento estrangeiro tem para Portugal.

Blanchard fez um diagnóstico dos nossos problemas económicos, mais "normal" do que acontece frequentemente com muitos portugueses, que gostam de salientar a "anormalidade" do caso português (no fundo, acho que ainda são resíduos da tese de António Sérgio sobre a nossa "mentalidade" retrógrada, a necessitar de "reforma", etç; se fossemos diferentes a nível dos estímulos, precisaríamos de uma teoria económica diferente só para nós, não é assim?). Blanchard encontrou até semelhanças entre a nossa evolução recente e a França de algum tempo atrás.

Disse Blanchard que a situação que tivemos, de taxas de juro baixas e uma visão optimista quanto ao futuro, explicam o agravamento, naquela altura, do endividamento e o défice fiscal. Agora é fácil dizer que foi um erro de antevisão (das famílias, das empresas, do governo) mas durante o boom fazia sentido. Por outro lado, admitiu que alguns indicadores poderiam ter alertado para uma reacção mais a tempo.

O economista de origem francesa foi igualmente muito franco quanto ao nosso futuro: ou ajustamos a economia com aumentos de produtividade, o que vai ser lento (10 anos, e se correr tudo bem) ou o fazemos com diminuição dos salários reais, o que pode ser mais rápido, mas também mais doloroso (ou mais... impossível!...)

O resto da conferência teve boas comunicações, igualmente com boas intervenções dos comentadores convidados. Uma intervenção descabida e desagradável foi protagonizada por Paulo Trigo, ao comentar (como convidado) a comunicação de Susana Peralta acerca da autonomia da fiscalidade local. A análise de Susana Peralta, por aplicação da Teoria dos Jogos ao ciclo eleitoral das autarquias locais, colocou a hipótese da fraca autonomia fiscal das autarquias e correspondente pouca transparência na afectação dos recursos fiscais, criar condições para a permanência/reeleição de políticos "egoístas", que procuram rendas para si próprios, em contrapartida com políticos "altruístas". Foi uma tese original (para mim) e bem explicada.

Paulo Trigo, que tinha feito antes uma critica cientificamente fundamentada a uma comunicação de André Castro Silva, enveredou por uma "crítica" ideológica a Susana Peralta - não só à sua comunicação, mas também à própria pessoa. Referindo ser ele mais velho e ter "conhecido" o período anterior à Revolução (mas, pela idade, até nem deve ter conhecido grande coisa...) sugeriu ignorância da jovem economista da Universidade Nova, e, até, que ela estaria a defender o salazarismo, "que não dava direito de voto às mulheres", etç. A comunicação de Susana Peralta não dizia nada disso, mas Paulo Trigo parece ter ficado incomodado com a simples sugestão de que no sistema democrático actual se geram efeitos económico-políticos perversos, como o já referido.

Ora, creio eu que um investigador que detecte, na sua investigação, efeitos perversos, deve divulgá-los, independentemente de isso beliscar os mecanismos democráticos. A ciência não tem que se auto-limitar com a ideologia ou o "politicamente correcto". Colocar hipóteses desagradáveis, testá-las e divulgá-las, ainda que possam vir a ser mais tarde infirmadas, é algo que deve ser elogiado e não criticado . Será o sistema democrático uma vaca sagrada onde não se possa tocar? Creio que não.

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