segunda-feira, janeiro 23, 2006

Boca-a-boca

Uma notícia do Jornal de Negócios, já com alguns meses (Novembro de 2005), sobre o peso do "factor c" (cunha) na obtenção de empregos, continua a fazer eco na imprensa. Hoje é a revista DiaD, que refere que «28 % dos 5,1 milhões de empregos em Portugal no terceiro trimestre de 2005 foram conseguidos por cunhas, ou seja, por intermédio de pessoas conhecidas, segundo dados do INE.»

E acrescenta a revista: «Falar de desenvolvimento, de competitividade, de futuro, de suar a camisola e, se necessário, "comer" a relva torna-se difícil quando se é confrontado com um número destes. A modernidade é incompatível com a tacanhez de raciocínio que está na a nossa raíz genética.»

Este estilo "moralista" é típico de alguns comentadores de jornal e até de muita da blogosfera. Mas creio que não é caso para tanto. É evidente que o autor deste cacharolete de metáforas parte do princípio que um emprego obtido através de um conhecimento qualquer é um emprego ineficiente - e que os países mais eficientes não recorrem a este método de ajustar oferta e procura de trabalho. Contudo, não é necessariamente assim.

Mas vamos por partes. No lado oposto do emprego através de conhecimentos pessoais encontrar-se-ia o recrutamento através de um concurso público nacional (quiçá europeu...) Sem dúvida que, dessa forma, se emularia uma concorrência mais alargada. Mas, para muitos empregos, esse recrutamento seria ineficiente, dados os custos de publicidade e, sobretudo, de selecção. Para se garantir a maximização da eficiência do recrutamento ter-se-iam de avaliar os milhares de candidatos a cada posto de trabalho, através de processos morosos e onerosos, que, em geral, teriam de ser feitos por empresas especializadas.

Uma alternativa mais simplificada seria a publicidade de vizinhança, tal como o papelinho na montra a pedir "colaboradores". Mas será este processo mais eficiente que o contacto através de amigos e familiares?

Muitas empresas anunciam a necessidade de contratações no seio da própria organização: é uma forma barata de atrair candidatos, sobre os quais a empresa faz depois a sua selecção. O problema é que as nossas cabecitas maldosas supõem sempre que associada a uma cunha está sempre uma pessoa incompetente ou inadequada para aquele posto. Mas porque não há-de ser precisamente o contrário? Porque não admitir que o candidato se oferece para empregos adequados às suas habilitações e motivações? Porque não admitir que aquele que tomou conhecimento do anúncio se lembrou de um amigo ou familiar, precisamente por lhe parecer o "casamento" adequado?

Pois é... mas quando estamos determinados a mostrar como o nosso país é uma desgraça, qualquer argumento serve - e nenhuma suspeita é de desprezar...

Acresce ainda que esta forma de recrutamento por meio de contactos "pessoais", dada precisamente a sua eficiência relativa, é largamente utilizada por economias avançadas, sem que as mesmas estejam a entrar em colapso por tal facto.

Por exemplo, o artigo "Job search methods and results: tracking the unemployed, 1991", de Steven M. Bortnick and Michelle Harrison Ports, publicado na Monthly Labor Review, refere que 22,6% daqueles que tinham procurado emprego "através de amigos e familiares" tinham-no obtido ao fim de 2 meses, uma percentagem semelhante à de outros métodos de procura. E já em 1980, a mesma revista tinha publicado o artigo de M. Corcoran e outros, "Most Workers Find Jobs through Word of Mouth" (ambos os artigos são relativos aos EUA).
«Os empregadores apoiam-se largamente no boca-a-boca [word of mouth] para o recrutamento de trabalhadores e estão em geral satisfeitos com este processo. Anúncios em jornais, recrutamento através de agências e outros mecanismos são utilizados mais selectivamente ou como segunda alternativa.»

John Betancur, CEUD-University of Illinois at Chicago


Outros artigos relacionados:
  • "Job Contact Networks", de A. C. Armengol (2000).
  • "Job Matching, Social Network and Word-of-Mouth Communication", de Armengol e Zenou (2004).
  • Sem comentários: