segunda-feira, novembro 07, 2005

América

Natalie Wood no papel de MariaWest Side Story, o espectáculo musical com música de Leonard Bernstein e texto de Stephen Sondheim, é uma versão do "Romeu e Julieta" localizada em Nova Iorque, tendo como pano de fundo as rivalidades entre dois bandos de jovens urbanos, os Jets (que integram a segunda geração de imigrantes de origem europeia) e os Sharks (imigrantes mais recentes e de origem porto-riquenha). O musical estreou em 1957 e em 1961 foi realizado o filme, com a participação de Natalie Wood.

Na página oficial existem duas versões para a letra da conhecida canção "América", uma referida como sendo da versão para palco e outra do filme. Não sei qual a justificação das diferenças nem a respectiva cronologia, mas surpreende-me o tom mais violento e de maior denúncia da discriminação racial que existe na versão do filme.

A canção encena uma discussão entre porto-riquenhos sobre as vantagens ou desvantagens de emigrar para os EUA. Para uns trata-se de um sonho, para outros é um pesadelo. Na versão do filme o "retrato" da América é bastante cruel: "a vida é brilhante na América... se fores branco", "olham para ti e cobram a dobrar", "liberdade para... servir à mesa e engraxar sapatos", "portas que se fecham na tua cara", "crime organizado"...
Anita - Buying on credit is so nice.
Bernardo - One look at us and they charge twice.
Rosália - I’ll have my own washing machine.
Juan - What will you have, though, to keep clean?

(refrão)
          Skyscrapers bloom in America.
          Cadillacs zoom in America.
          Industry boom in America.
          Twelve in a room in America.

Anita - Lots of new housing with more space.
Bernardo - Lots of doors slamming in our face.
Anita - I’ll get a terrace apartment.
Bernardo - Better get rid of your accent.

(refrão)
          Life can be bright in America.
          If you can fight in America.
          Life is all right in America.
          If you’re all white in America.

Anita e Consuelo - Here you are free and you have pride.
Bernardo - Long as you stay on your own side.
Anita - Free to be anything you choose.
Rapazes - Free to wait tables and shine shoes.

(refrão)
          Everywhere grime in America,
          Organized crime in America,
          Terrible time in America.
          You forget I’m in America.
Comparativamente, a outra versão é bastante mais "benigna" para os EUA: deixa de haver crime e discriminação na América, os problemas estão apenas em Porto Rico: população endividada, doenças tropicais, casas superlotadas e que não funcionam. Uma hipótese é que esta tenha sido a versão original em palco, e que para o filme tenha sido escrita a versão mais crítica dos EUA. Mas também pode ter sido o contrário: o texto original (para palco e cinema) era o crítico e ter-se-ia posteriormente transformado em "politicamente correcto". Creio que as mais recentes gravações apresentam a versão "soft".

Alguém arrisca um palpite sobre a origem destas duas versões?

West Side Story foi alvo de uma controvérsia em 1999, quando o Comité da "Amherst-Pelham Regional High School" (Massachusetts) proibiu a sua representação por "estereotipar os porto-riquenhos". Esta proibição é curiosa, dado que na peça é a Polícia e o bando rival (Jets) que são apresentados como violentos e racistas, enquanto que os porto-riquenhos fazem o papel de vítimas. No entanto, o facto do filme ter como heroína uma "gringa" (Natalie Wood) que fala um ridículo americano "espanholizado" enquanto que a actriz Rita Moreno, uma genuína porto-riquenha, é relegada para um papel secundário, e de os Jets usarem expressões depreciativas inspiradas no sotaque mexicano, parece ter contribuido para desvalorizar outros aspectos da obra eventualmente mais simpáticos para os porto-riquenhos. Em 2004 um grupo de alunos de uma escola vizinha realizou outra produção, designada "West Side Stories", reflectindo sobre a referida controvérsia (ver artigo).

A "emigração" de porto-riquenhos para Nova Iorque, por outro lado, parece ter estado relacionada com a "Operação Bootstrap", uma iniciativa do governo americano, no pós-guerra, para industrializar Porto Rico, que envolveu a "deslocalização" para o continente de muitos dos habitantes daquela colónia.


Disponível online:
  • Un Upbeat West Side Story: Puerto Ricans and Post War Racial Politics In Chicago (pdf) - onde se defende que "West Side Story" era largamente um mito, baseado em noções estereotipadas".
  • versão orquestral de WSS (ficheiros mp3)
  • fotografias do filme
  • lista de gravações
    Actualização


    Anita (Rita Moreno): espontânea e palavrosa

    Em "Representation of Latinas in Film", lê-se que "Em 'West Side Story' aparecem duas diferentes representações de mulheres latinas. Primeiro existe Maria, protagonizada por Natalie Wood, uma anglo-saxónica, que cria uma porto-riquenha inocente e sensual, uma Madona celestial. (...) Por outro lado, Anita, protagonizada por Rita Moreno, uma genuína porto-riquenha, cria uma uma imagem de prostituta de sangue na guelra, orgulhosa e sexy, espontânea e palavrosa. (...) Anita tem uma aparência mais étnica devido ao cabelo escuro, pele escura e pronúncia acentuada, enquanto que Maria, embora de cabelo escuro, é mais clara. É muito evidente que às "latinas" estavam destinados os papéis secundários.
    Uma versão crítica encontra-se aqui:
    "La controversia se debio principalmente por:
    1. tanto en la version teatral como cine, la puertorriquena putona era interpretada por...pues una puertorriquena (teatro fue Chita Rivera, cine...no me acuerdo)
    [=Rita Moreno]. Mientras la puertorriquena virginal y decente simpre la interpreto una americanita blanca en ambas versiones.
    2. El punto de reunion de la ganga americana(los Jets) era un restaurante/heladeria lo mas nice...los puertorriquenos se juntaban en el techo de un edifico sucio y desorganizado y lo unico que hablaban era si America era mejor que Puerto Rico.
    3. Las puertorriquenas blancas no hacian mas que esperar algun \"principe\" que las sacara del \"wealfare\", las puertorriquenas negras se acostaban con los novios italianos.

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