![]() Afinal, e apesar de ter sido efectivamente Carlyle o autor da expressão, a explicação é muito diferente, como se pode ver, por exemplo, no livro de David M. Levy, "How the Dismal Science Got Its Name: Classical Economics and the Ur-Text of Racial Politics". Com a sua promessa de um mecanismo regulador - a "mão invisível" - que permitiria assegurar o bem comum, mesmo se as intenções dos indivíduos eram egoístas, a Economia Política mostrava ser desnecessário o sistema hierárquico esclavagista, onde um tipo de homens (os "brancos") julgava ter a obrigação de tomar conta de todos os outros. Ou seja: a Economia era profundamente optimista quanto à possibilidade de um mundo mais igualitário. Mas isso eram "más notícias" para os defensores do sistema esclavagista. Para eles, de facto, a Economia era uma "ciência deprimente". Eis algumas palavras de apresentação do livro, traduzidas do site da University of Michigan Press: |
«É vulgarmente aceite que os "sábios" da era vitoriana criticaram a Economia clássica de uma perspectiva humanística, ou igualitária, designando-a como "a ciência deprimente" [ the dismal science ] e que esta crítica é relevante para o debate actual acerca da sociedade de mercado. David M. Levy mostra no seu livro que essas asserções são simplesmente falsas: a Economia Política foi caracterizada como "deprimente" porque Carlyle, Ruskin e Dickens ficaram horrorizados perante a ideia de que o sistema esclavagista seria substituído por um sistema que permitia a todos os indivíduos escolher o seu próprio caminho na vida. Achavam que, no mínimo, "nós" os brancos deveríamos dirigir a vida "deles", os de cor. Os economistas desse tempo, por outro lado, argumentaram que as pessoas de cor deveriam era ser protegidas pela lei. E esta é que é a origem do apodo "ciência deprimente".
«Uma surpreendente imagem de 1893, que é reproduzida na capa do livro, mostra Ruskin a matar alguém que aparenta não ser um "branco". Um olhar atento revela que a vítima está a ler "The Dismal Science" [ver nota 2]. Levy analisa esta imagem e também o texto de Carlyle "Occasional Discourse on the Negro Question" e a subsequente resposta de Mill, mostrando que se tratam de documentos centrais para a economia clássica britânica.
«As ideias igualitárias de Adam Smith são explicadas e contrastadas com a alternativa hierárquica proposta por Carlyle. Levy também examina as representações visuais deste debate e fornece uma apresentação esclarecedora da "cataláxia" smithiana, a ciência das trocas, comparando-a com os fundamentos da moderna economia neoclássica.»
Na Internet encontra-se acessível o livro de David M. Levy em ficheiros correspondentes aos 3 capítulos: "1. Two Sciences in Collision: The Dismal and the Gay", "2. Market Order or Hierarchy?" e "3. The Katallactic Moment". Também se pode aceder ao texto de Carlyle: "Occasional Discourse on the Negro Question" e à resposta de John Stuart Mill: "The Negro Question". Análises deste debate podem ser encontradas aqui e aqui. O texto de Carlyle inclui o seguinte parágrafo, carregado de ironia, onde usa pela primeira vez a expressão "dismal science": |
«[...] Na realidade, meus filantrópicos amigos, a filantropia de Exeter Hall é maravilhosa. E a ciência social - não uma "ciência alegre", mas sim lamentável - que encontra os segredos do Universo na "oferta e procura" e reduz o papel dos governantes humanos ao de deixarem os homens sozinhos, também ela é maravilhosa. Não é uma "ciência alegre", pois, como alguns apregoam. É uma ciência aborrecida, desolada, e mesmo abjecta e perturbante: aquilo a que poderíamos designar como "ciência deprimente". Se a filantropia de Exeter Hall e a Ciência Deprimente, conduzidas por uma qualquer sagrada causa de emancipação dos negros, se apaixonassem e casassem, dariam origem a progénitos e prodígios: loucos de cor escura, abortos inomináveis, mostruosidades com cauda - tais como o mundo jamais viu!» [3].Thomas Carlyle
"Occasional Discourse on the Negro Question"
Textos relacionados: Notas: [1] A tradução de "dismal science" por "ciência triste" é a única que tenho lido ou ouvido em português, mas creio que o adjectivo inglês dismal é melhor traduzido por "deprimente", e é este que eu habitualmente uso. ![]() [3] O Exeter Hall, edifício construído para sede e local de reunião de instituições religiosas e caritativas, encontrava-se fortemente associado ao anglicanismo e às campanhas anti-esclavagistas. As duas correntes cujo "casamento" Carlyle tanto temia, opunham-se ambas à escravatura, mas por motivos diversos. Os economistas consideravam que todos os indivíduos possuíam a mesma natureza humana básica e que, para a análise económica, as questões raciais eram indiferentes. Os anglicanos consideravam todos os indivíduos como irmãos e irmãs, originários do mesmo casal primordial, Adão e Eva. Mais informações sobre o edifício encontram-se aqui. url: http://puraeconomia.blogspot.com/2005/10/cincia-igualitria.html |
Sem comentários:
Enviar um comentário