sexta-feira, julho 08, 2005

Contra o terrorismo e o relativismo


Manifesto aqui uma posição muito firme contra o terrorismo, como "modalidade" de prática política. Mas também contra o relativismo daqueles que, embora posicionando-se contra os atentados, condenam a forma mas suavizam a responsabilidade subjacente dos autores e dos seus simpatizantes.

Esse relativismo manifesta-se de várias maneiras: uma delas é a de constituir uma cadeia de responsabilidades, no fim das quais se encontra a sociedade ocidental e as suas políticas, apelidadas de "agressivas", "egoistas", etç. Pondo os nomes nas coisas: para estes "relativistas" os verdadeiros responsáveis são os "Bushes" e os "Blairs", dirigentes políticos do ocidente, que exploram os países pobres, que lhes fazem guerras etç.

Outra forma de relativismo é o de dizer que os autores são um bando qua nada tem a ver com os povos árabes, ou muçulmanos. É certo que os povos árabes e/ou muçulmanos não são terroristas, mas há nessas comunidades um forte sentimento de simpatia por estes ataques, de acordo, aliás, com o argumento anterior: os verdadeiros responsáveis seriam os líderes ocidentais.

Não defendo uma radicalização da confrontação civilizacional, mas não me parece inteligente fingir e dizer que ela não existe. As forças económicas (anónimas, e não essas personificações dos "capitalistas maus") estão a provocar alterações abruptas na vida das pessoas e das comunidades, para o bem e para o mal. Perante os problemas, uma corrente de opinião auto-nomeada de "esquerda", recuperando os argumentos marxistas dos século XX, atira as culpas para cima das grandes empresas e dos líderes políticos dos países capitalistas.

Pura ilusão: o que de bom e de mau o capitalismo faz, sai das nossas mãos e das nossas cabeças. Com as mais simples decisões que cada um de nós toma, no dia-a-dia, contribuimos para o rumo que a economia e a sociedade toma. Nós é que decidimos, involuntariamente, que havia de ser assim. Tal como os povos dos países economicamente menos desenvolvidos contribuiram para o rumo que os seus países tomaram.

Está na moda criticarmos a nossa própria civilização, tal como os hippies criticaram a sua, virando as costas aos valores da sua comunidade para adorar as filosofias orientais, o pacifismo e o "regresso à natureza". Esta atitude auto-crítica tem alguma razão de ser: dizem os evolucionistas que se encontra incorporada nos nossos genes, tratando-se de uma insatisfação necessária para a mudança. Se estivessemos contentes com tudo, nada mudaríamos.

Mas, quando nos atacam, da maneira como o fazem, é errado ajudarmos o agressor com essa auto-flagelação. Seria bom que os críticos relativistas tomassem posição quanto a isto: é o modelo das outras sociedades e comunidades que deve ser seguido ?

(Adenda:)
Há quem saliente a "coincidência" entre os atentados e cimeira do G8. A mim impressiona-me mais a "coincidência" com o "Live 8", esse peditório feito em tom arrogante, como quem se aproxima dum milionário exigindo a devolução do dinheiro que roubou às suas pobres vítimas.



Nota - o último parágrafo acrescentado como "adenda" fazia parte da primeira versão deste post, que retirei muito pouco tempo depois de inserir o post, por me parecer que se desviava do objectivo principal de demarcar o relativismo. No entanto O Insurgente foi suficientemente rápido e fez uma citação [aqui] salientando precisamente a frase eliminada, dando origem a um debate, quer sobre o assunto, quer sobre o parágrafo "fantasma" - o que me levou a reinclui-lo, para não deixar a citação órfã.

6 comentários:

Nelson Reprezas disse...

Brilhante.
Parabéns!

zero disse...

ah! quem espera sempre alcança ... bom post ... clap clap clap

Anónimo disse...

No essencial estou de acordo com o seu post. Mas se assumirmos com toda a frontalidade aquilo que deixa nas entrelinhas está em curso uma guerra do Ocidente contra todo o Mundo Árabe ou o inverso, que na prática é exactamente a mesma coisa.

Quando fui chamado para a tropa Portugal, segundo a doutrina das nossas forças militares, estava envolvido numa guerra contra o terrorismo. Passado algum tempo as forças que se nos oponham deixaram de ser denominadas de terroristas e passaram a ser guerrilheiros. Finalmente no final da guerra Portugal combatia exércitos populares. Não conheço em grande profundidade as doutrinas militares. Mas infelizmente conheço a prática e quer se chame terrorismo, guerrilha ou guerra é sempre algo de terrível, principalmente para os envolvidos mais fracos nomeadamente as vítimas dos efeitos colaterais.

Pretendo com isto dizer que os combatentes envolvidos em qualquer forma de combate armado acabam mais cedo ou mais tarde por cometer todo o tipo de atrocidades é só uma questão de ocasião. Para confirmar basta seguir com alguma atenção os encontros dos veteranos de guerra, independentemente do lado pelo qual lutaram.
Quer sejam os veteranos, americanos, alemães, franceses, vietnamitas etc.

Há muitos cidadãos que dão o seu contributo anti-guerra mesmo que seja necessário condenar as más práticas política do lado em que se encontram.

Finalmente este comentário de um protogonista tão importante como sr. Tony Blair não deixa de ser curioso: “Mr Blair also said he knew those behind the attacks had acted in the name of Islam but he stressed that the overwhelming majority of Muslims abhorred the bombings as much as he did.”

Joao Augusto Aldeia disse...

São questões interessantes. Não sei se existe essa guerra, e penso que ninguém saberá: é daquelas coisas que não se podem prever. Mas creio que é uma ficção essa ideia de que os povos árabes e muçulmanos nada têm a ver com o terrorismo, como se de um lado estivessem os terroristas, uns anormais, e do outro lado tudo o resto.

Concordo com o que diz quanto à "universalidade" da violência. Não se trata de uma questão ideológica. Julgo que o treino militar - tanto dos exércitos clássicos como das guerrilhas - para além da formação técnica, consiste numa forma de condicionamento mental, após o qual o militar estará capaz, obedecendo a ordens ou seguindo uma "sabedoria" tácita, a praticar grandes atrocidades, e isto vale para qualquer parte do mundo. É um condicionamento para o qual a mente masculina parece estar melhor adaptada do que a feminina (finda a formação, é mais fácil ao homem disparar friamente sobre um civil desarmado). É também um condicionamento anormal, que entra em contradição com a estrutura mental de base do indivíduo, formada ao longo da vida social anterior - e julgo que é também por isso que surgem as designadas sequelas pós-traumáticas.

É um condicionamento que recorre a estruturas mentais primitivas, essencialmente de natureza emocional: o sentimento de pertença a um grupo, de subordinação a um chefe. É por isso que a lealdade do soldado vai mais para a sua Companhia ou Batalhão, do que para o Exército como um todo. Para quem está de fora, isso pode parecer absurdo, porque vivemos mergulhados num discurso racional assente em ideais e valores. Mas, como se pode ver pelo fanatismo das "tribos" do futebol, a componente emocional não-racional tem muita importância no comportamento humano.

Anónimo disse...

J.A.
Obrigado pela sua resposta ao meu comentário. Mais uma vez estou de acordo com o que afirma.

Nas doutrinas militares, e a história amplamente o confirma, os terroristas de hoje, amanhã são guerrilheiros para passado algum tempo serem tratados como exército popular.

A velha abatida a tiro quando está agachada a fazer as necessidades fisiológicas no meio do mato e o soldado “bravo” que a matou quando questionado responde: o meu alferes não disse para atirar sobre qualquer coisa que mexesse. Ninguém é inocente, o alferes porque o medo o leva a não alertar para o cuidado a ter com os civis (os inimigos disfarçam-se de civis) e o soldado, no caso concreto não tinha qualquer necessidade de fazer aquilo, como mais tarde vem a reconhecer, mas estava “chateado” porque o alferes lhe cortara o fim-de-semana. As imposições da guerra fazem o resto: esquecer.

Os conflitos armados devem ser vistos como conflitos armados com motivações algo muito indefinidas juntamente com aspectos muito concretos com a vida difícil das populações. Mas, parece evidente que as acções políticas adequadas dos atingidos pelo fenómeno são fundamentais. E a história também nos diz que à medida que as forças desorganizadas de rebelião ganham força e passam a ser organizadas acabam por ser consideradas como inimigos que impõem o diálogo político. Quando os movimentos rebeldes se afirmam desorganizados e sem substrato ideológico acabam rapidamente por ser destruídos.

Suponho, infelizmente, estarmos perante forças terroristas muito organizadas que têm apoios importantes de parte das populações, minoritárias, mas há medida que os movimentos vão obtendo “vitórias” esses apoios vai aumentando. Aqui está o busílis da questão não permitir que os movimentos terroristas ganhem apoios e que as populações acabem por compreender que a violência é o último recurso e não apenas o único recurso. Suponho que os os Países civilizados estão a descorar as motivações terroristas e a preocuparem-se com o fenómeno de forma maniqueísta. Não me parece que a situação se possa manter por muito mais tempo, alguma coisa de inteligente vai ter de ser feita para atacar o fenómeno na sua génese.

O recrutamento de suicidas parece fácil para os integristas islâmicos por sua vez as forças militares dos países civilizados cada vez mais têm dificuldades de chamar às fileiras pessoal com vocação para o sacrifício.

A estratégia do petróleo barato parece ter chegado ao fim, não obstante a “tentativa” dos Estados Unidos em manter a situação. Temos certamente de encarar esta realidade de frente e mudar o que deve ser mudado e parece que alternativas reais existem apenas é necessário implementá-las.

Os mercados não dão resposta a todos os problemas das economias como as teses neoliberais pretendem fazer crer. As doutrinas económicas que a realidade demonstra estarem erradas têm de ser abandonadas.

Anónimo disse...

Pura economia de raciocínio nestes comentários ...