quarta-feira, março 23, 2005

Bombardeamento


Parece que a "solução Sócrates" para a Bombardier vai ser: comprar. Não sei se será um bom caminho. Já o governo Guterres, pela mão do então ministro Augusto Mateus, arranjara uma solução semelhante para a fábrica Renault de Setúbal, comprando-a através de uma nova empresa, a Sodia: não deu em nada (sobre este caso escreverei novo post).

Percebe-se a lógica da coisa: como vamos ter de constuir carruagens no futuro, a CP compra as máquinas e fica tudo em casa. Pode ser uma ilusão: a CP é uma empresa de transporte ferroviário, não de fabricação. É claro que poderá ser encontrada uma solução de consórcio, mas a CP partirá sempre de uma posição de fragilidade, pois os eventuais consortes sabem que a CP terá de arranjar ocupação para as máquinas, seja a que preço for, o que anula as vantagens da concorrência.

Também o governo, ao anunciar a "compra das máquinas pela CP" antes de formado o negócio, está a agir precipitadamente: agora a Bombardier pode fazer subir o preço pois sabe que tem o governo nas mãos. Porque não negociou antes, em condições mais favoráveis, para depois anunciar com garantias?

E mesmo que o negócio corra bem, há um grande risco envolvido nesta operação: risco político, mas também comercial: quem garante que a obolescência tecnológica não vai deitar as máquinas para o lixo antes da sua futura rentabilização?

O mal disto é a "conotação" política das soluções aparentes: deixar a Bombardier levar os robôs (que são de sua propriedade, goste-se ou não) parece "de direita", "neo-liberal", etç. Manter cá as maquinetas, ainda que compradas com dinheiro do Orçamento, parece "de esquerda" e "social". Puro engano. Vejam bem para que serve agora o Orçamento: para comprar robôs industriais... ainda se oudessem substituir ministros!...

Os tipos da Bombardier são suspeitos, porque são parte interessada, mas não devemos colocar de lado a hipótese de terem razão quando afirmam que "o equipamento em causa não serve os interesses da CP, por ser equipamento preparado para produzir mil caixas/ano" [um ritmo que a CP nunca atingirá]. (Diário de Notícias)

[ Nem comento a "solução" encontrada para a fábrica da Bombardier pelo anterior ministro da Defesa e o seu desavergonhado silêncio actual; nunca acreditei em semelhante patranha, por isso não vou fingir agora que estou surpreendido. ]

2 comentários:

Nelson Reprezas disse...

Este tipo de manobras (ou de pura incapacidade, já nem sei...) contribui decisivamente para o descrédito das nossas instituições - no caso, do próprio governo. A atitude política, neste caso e em casos semelhantes, é moldada mais ao tal estereotipo de "medidas de direita e/ou liberais" ou "esquerda e/ou sociais" do que à lógica do interesse das economias e dos trabalhadores. São preços demasiadamente elevados os que pagamos (todos em geral e os próprios trabalhadores em particular)por força da carga política que achamos que devemos pôr em tudo o que fazemos. Mas vocês, economistas, saberão analisar estas questões bem melhor do que eu...

Joao Augusto Aldeia disse...

Não sei se os economistas conseguirão analisar este tipo de problemas sozinhos. Há aqui mais política do que economia: o problema da Bombardier foi usado, tanto pelo governo como pela oposição, como instrumento de afirmação da "excelência" de cada um. O PS, depois de ter afirmado que tinha uma solução para o problema, está agora amarrado; uma falha neste dossiê (que, noutro contexto, poderia ser menos onerosa) pode significar o princípio do fim do "estado de graça", viabilizando argumentos do género: "afinal são iguais aos outros", etç.

Umas palavras para o inqualifícável presidente da Câmara que chegou a ameaçar fazer alterações ao PDM para inviabilizar qualquer valorização dos terrenos onde se encontra a fábrica: num estado de Direito estas soluções ad hoc deveriam ser banidas; a Bombardier deve ser julgada à luz da lei existente e não de estratagemas saloios. Além disso, uma "vitória" sobre a Bombardier pode ter consequências nefastas na capacidade de atrair investimento estrangeiro.