segunda-feira, novembro 22, 2004

O velho Keynes...


Leia-se o seguinte parágrafo e imagine-se quem o poderia ter congeminado:
A época turbulenta de Revolução tinha passado e agora toda a gente, que era nova na sociedade, tratava de se instalar nos moldes que estavam disponíveis e que eram estreitos se não fosse um espírito de lucro que invadia todos os quadrantes. De certo modo era um espírito que vencia a moral comum, para a qual a pobreza era um dom muito poderoso, o que foi bem aproveitado pela marcha do proletariado. O velho Keynes mudara tudo com a sua fórmula de propensão ao consumo que forçava o emprego, fazendo crescer o rendimento das empresas. Com a descoberta de que os caminhos da riqueza são insondáveis, a corrupção entrou em vigor como se fosse um direito. Com a subida inflacionada dos salários, as pessoas criaram novos hábitos de gastos, conforto e desdém pelo aforro. Depressa cederam ao fenómeno do endividamento bancário e entregaram-se a um hedonismo desenfreado.
A Revolução referida é a de 25 de Abril de 1974. Se as palavras tivessem sido pronunciada por um aluno numa oral, teria de se lhe pedir para se explicar melhor … Mas não: foi escrita por Agustina Bessa Luís e está algures na página 144 do seu livro “A Jóia de Família”, da trilogia “O Princípio da Incerteza”.

Vejamos que keynesianismo é este. Propensão ao consumo que força o emprego e faz crescer o rendimento… ? Não parece estar escrito em "economês", embora também não se possa dizer que esteja fundamentalmente errado. E foi o "velho Keynes" quem "mudou tudo" ?

O que me parece é que o argumento de Agustina é mais do domínio da Sociologia (ou Psicologia, ou Antropologia, sei lá…) do que da Economia. E pode ser entendido como se a dessacralização da origem da riqueza, ou seja, o acreditar (com Keynes) que os mecanismos do enriquecimento são apenas mais uma máquina (e, como tal, amoral) levou as pessoas a aderir a uma filosofia hedonista e consumista, trocando a moralista poupança pelo consumo.

O argumento parece-me interessante. De facto o pensamento do século XX no "ocidente" foi muito caracterizado por isto: o abandono de Deus e da moral de base religiosa, por troca com um cientismo amoral que acreditou ser capaz de resolver todos os problemas da humanidade por recurso à ciência (já referi isto noutro post). Nunca me tinha ocorrido é que o Keynes fosse para aqui chamado. Mas como o Keynes parece caminhar para o desaparecimento (apesar da repescagem parcial do Krugman com a sua depression economics) será que haverá um retorno nesta progressão, ou será antes um caminho sem regresso, tal como a expulsão do Paraíso?

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