quarta-feira, novembro 17, 2004

Os últimos 50 anos


Através do Mahalanobis cheguei ao inquérito feito pelo Wall Street Journal a vários economistas. Uma das questões foi: "Qual o desenvolvimento individual no pensamento económico, nos passados 50 anos, que teve impacto mais significativo no dia-a-dia das pessoas, e porquê?" Eis algumas das respostas:

George A. Akerlof: - "O uso da Teoria dos Jogos: permite aos economistas analisar os problemas com maior detalhe, possibilitando uma melhor correspondência entre as situações e a teoria."

Kenneth J. Arrow: - "Não sei exactamente o que é um "desenvolvimento individual". Diria antes que a ideia de modelizar as implicações de políticas alternativas, tornada possível pelo desenvolvimento teórico, pela revolução informática e pelo acréscimo do volume de dados, teve um efeito salutar nas políticas. O uso de modelos não conduz necessariamente a boas políticas, mas permite evitar as piores possíveis."

Milton Friedman: - "A aceitação da ideia de que a inflação é um fenómeno monetário. E porquê? Porque já produziu até agora mais de duas décadas de inflação relativamente baixa na maior parte dos países desenvolvidos, com produção relativamente estável e um elevado nível de desemprego e bem-estar."

Clive W.J. Granger: - "A capacidade para controlar a inflação."

Lawrence R. Klein: - "Não constituíu surpresa que Jan Tinbergen tenha recebido o primeiro Nobel da Economia (partilhado). O seu trabalho de modelização económica estava muito à frente do seu tempo, com muito menos recursos do que dispomos actualmente. Ele formulou os princípios da definição de políticas económicas e lançou as bases para a sua implementação através da inferência econométrica. Também o seu (segundo) modelo, construído para a Sociedade das Nações, tinha já muitas ideias interessantes sobre a distribuição de rendimentos, o efeito riqueza e a determinação de salários. Modelos tornados possíveis por estas descobertas dos anos 30 são hoje usados continuamente por todo o mundo."

Harry M. Markowitz: "Eu diria que foi a teoria do portfólio, mas sou suspeito."

John F. Nash Jr.: - "Não sei o que hei-de escolher; pode levar mais de 50 anos até que uma boa teoria económica se torne totalmente efectiva."

William F. Sharpe: - "A teoria monetária de Friedman e a teoria macroeconómica de Keynes (companheiros improváveis, para jogar pelo seguro).

Vernon L. Smith: - "O tema de Hayek sobre a utilização do conhecimento, no sentido de que a informação dispersa necessária para organizar uma economia não pode ser concentrada numa única mente; e que por isso os sistemas de comando e controlo têm necessariamente de falhar; e este tema destruiu ou forçou a liberalização das economias de controlo central do Chile, da União Soviética, da China, etç."

Robert M. Solow: - "Não tenho a certeza. Possivelmente foi o conhecimento melhorado do comércio internacional, das taxas de câmbio, e da macroeconomia das economias abertas (grandes números em causa)."

Outra das questões do WSJ, referida agora pelo Café Hayek, foi: "Em que esfera da vida, se é que em alguma, pensa que é mais importante limitar a influência das forças de mercado?".

Milton Friedman deu uma resposta misteriosa: - "A auto-propriedade dos seres humanos" (querendo talvez significar, segundo o Café Hayek, que não deve ser permitido às pessoas que se vendam ou se ofereçam para escravatura).

Lawrence Klein argumentou que as falhas de mercado e a corrupção são responsáveis por aquilo que ele designa como desvios (skewness) na distribuição do rendimento e da riqueza, quer no interior das economias nacionais, quer entre elas.

William Sharpe seleccionou "a extrema concentração do poder económico e político".

Joseph Stiglitz: - "A lista usual dos economistas começa com a distribuição dos rendimentos. Não há motivo para pensar que a distribuição do rendimento que emerge dos processos de mercado seja desejável ou aceitável. As forças de mercado descontroladas actuando livremente, sem o controlo do governo podem levar um grande número de pessoas a viver abaixo do nível de subsistência. Trata-se de uma área para intervenção do governo. Sabemos que as forças económicas sem controlo podem conduzir a grandes expansões e a grandes recessões. Temos de fazer algo acerca disso. Sabemos que o mercado pode levar à poluição – e existe aí um importante papel a desempenhar pelo governo. Sabemos que haverá insuficiente investimento em bens públicos. E quando pensamos na economia da inovação, devemos recordar que a maior parte da inovação do sector privado é baseada em investigação financiada pelo governo, como aconteceu com a Internet.

Robert Solow: - "Nas economias avançadas, eu diria: para evitar desemprego em massa, pobreza e desigualdades crescentes."

1 comentário:

Luis Gaspar disse...

As respostas deram-me a imagem de, no fim de um jogo de futebol, com os corpos suados e fungando e com as maos nas ancas, ver os jogadores a responderem às tradicionais perguntas.

Há uma contradição tão tão engraçada! Ora se Friedman está tão convencido que a inflação é um fenómeno monetário (logo, não tem qualquer implicação na Economia Real, na Economia das pessoas), porque é que considera esse como o maior desenvolvimento com impacto no dia a dia... das pessoas? Se é assim tão irrelevante, devê-lo-ia ser também na vida das pessoas, não? A questão é que não é relevante. E que no curto prazo a inflação tem uma ligação directa e mensurável com o produto, e que no longo prazo, e isto já é só crença minha, tem efeitos duráveis, através da path dependence, na forma como os agentes económicos agem: exemplo prático: com estas medidas de restrição acéfalas em Portugal, o que vai acontecer aos primeiros desempregados licenciados? Encontram emprego mais tarde? Ou vão especializar-se em zonas onde não vão usar o capital humano que aprenderam, vão sentir-se humilhados, no Longo Prazo vão ser menos produtivos; e os desempregados sem qualificações? Mais meses de desemprego serão neutros? Será que não vai adoecer alguém gravemente na família, será que os modos alimentares não vão mudar, será que quando for altura de encontrar trabalho a força será a mesma? Claro que estes exemplos micro também se aplicam à macro, à questão das economias de escala externas e à subvalorização agressiva de uma moeda (por meio de inflação...). E tudo isto tem efeitos a longo prazo. Tenho dito.