quinta-feira, julho 15, 2010

Surreal


Com um extraordinário sentido de oportunidade, numa altura em que demasiadas famílias não conseguem sequer ter comer para se alimentar no dia a dia, o ministro da Agricultura lembrou-se de aconselhar or portugueses a atafulhar as despensas. Parece que são ordens da NATO, transmitidas pelo sr. ministro com uma impressionante clareza de ideias e fluidez discursiva:
«Esta iniciativa insere-se na preocupação que um país deve ter com a sua segurança nacional. Os países que integram a NATO têm a obrigação de se organizar sectorialmente em matéria de resposta em casos de acontecimentos naturais, de catástrofes, ou outras situações de natureza civil, que obriguem a que cada Estado faça activar todas as autoridades de protecção às populações. Para que isso aconteça tem que haver planeamento. Portugal, normalmente, as pessoas, os portugueses, nós não gostamos muito de planear, achamos que o improviso resolve todo o problema, e nesta matéria nunca planeámos, em termos de emergência alimentar, achámos sempre que à ultima hora se resolvia.»
Notícia e video no Expresso

quarta-feira, julho 14, 2010

Subtilezas

     Vera Jardim, provedor da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, numa primeira reacção à falência da empresa Marsans, não teve papas na língua: tratava-se, sem qualquer dúvida, de um caso de polícia. Claro: empresa espanhola, falida...
     Posteriormente foi noticiado que a caução dada pela empresa não apresentava o valor mínimo, matéria que apontava responsabilidades para uma agência governamental: o Turismo de Portugal; veja-se a subtileza da reacção do sr. provedor a este desenvolvimento: «O Turismo de Portugal, que recebeu essa informação, devia ter revisto essa situação. Há que actuar com mais precaução nesta matéria»...
     E porque não enviar também a polícia ao Turismo de Portugal? Note-se: a empresa fez uma caução de apenas 25 mil euros, quando devia ter pago 250 mil euros, o equivalente à venda de pacotes turísticos de 10 milhões de euros. Não haverá responsabilidade do Estado por ter deixado que a empresa continuasse a fazer negócio sem cumprimento das exigências legais?

     Dando cumprimento a esta subtil arte de alijar responsabilidades, o Turismo de Portugal "explica" no seu site porque é que, na sua opinião, a caução minuscula feita pela Marsans está legal: «A caução da Marsans Lusitânia encontra-se válida e tem um montante de 25.000 euros, uma vez que a Marsans, no período relevante para o cálculo da caução, de acordo com informação do TOC da empresa, não vendeu viagens organizadas efectuadas pela agência, mas terá vendido apenas viagens organizadas por outras agências ou operadores.»
     Então e onde estão as cauções dessas outras agências?

quarta-feira, junho 30, 2010

Dívida pública


Jornal republicano A Vanguarda
23 de Agosto de 1895

"Também tu, Belmiro?"

"É muito difícil haver outra oportunidade para vender como esta. Há muitos accionistas que têm dificuldades de tesouraria, como é sabido, só não vendem se alguém lhes comprar fora do regime da oferta".

Belmiro de Azevedo
referindo-se à proposta da Telefónica
para compra da Vivo à PT.

sexta-feira, maio 14, 2010

Saldanha Sanches
Saldanha Sanches: um velho amigo que nos deixa. Longos anos de luta contra o regime salazarista/marcelista, e longos anos de prisão. Tinha também um grande sentido de humor e um espírito saudavelmente anárquico, que o levava a desvalorizar o perigo de ser preso e torturado, como foi, por várias vezes: desprezava a polícia política a ponto de nem sequer a recear.
blog

domingo, dezembro 13, 2009



Faleceu Paul Samuelson

Paul SamuelsonPossivelmente será mais recordado pelo magnífico manual de Economia de que foi autor, mas foi também um dos mais importantes teóricos da denominada síntese neoclássica, uma fusão das teorias micro e macro-económicas. A sua grande descoberta, o teorema da preferência revelada, criou expectativas de que a Economia, finalmente, atingiria o patamar de Ciência por legítimo direito (e não por aproximação às ciências duras, como a Física); no entanto, essa terá sido mais uma das grandes ilusões do século XX.

Notícia do jornal Público:
     O economista Paul Samuelson, primeiro prémio Nobel da Economia americano, em 1970, morreu hoje aos 94 anos, anunciou o Massachusetts Institute of Technology (MIT), onde cumpriu o essencial da sua carreira.
     “O economista do MIT Paul A. Samuelson, laureado com o Nobel e autor de análises matemáticas que estabeleceram os alicerces nos quais se construiu a economia moderna e manuais que influenciaram gerações de estudantes, morreu hoje [domingo] na sua casa em Belmont (Massachusetts)”, anunciou o MIT na sua página online.
     Segundo o instituto, Samuelson foi um dos economistas mais importantes do planeta durante mais de meio século”. Um dos seus manuais de economia, “Economics: An Introductory Analysis”, publicado pela primeira vez em 1948, foi traduzido em 40 línguas e reeditado 19 vezes em língua inglesa. É a obra de economia mais vendida de todos os tempos, com mais de 4 milhões de cópias vendidas.
     Nascido em 15 de Maio de 1915, Paul Samuelson, formado em Harvard, passou a integrar os quadros do MIT em 1940. Estava casado com Risha Samuelson há 28 anos e tinha seis filhos.


segunda-feira, setembro 07, 2009

     Concordo com esta análise quanto ao argumento de que o crescimento monetário é sustentado por um esquema do tipo "pirâmide"; mas não concordo que seja a mesma coisa que empurra o crescimento económico; nesse caso há uma "tragedy of the commons": genericamente os indivíduos encaram os recursos do planeta como recursos comuns (ou seja, pertencem ao ser humano — não aos animais, nem a Deus, nem a gerações futuras) e gratuitos (excepto quanto a uma pequena taxa para quem detém temporariamente a sua guarda). O que impulsiona o crescimento é a vontade de usufruir de mais coisas boas (sejam elas consumos supérfluos ou mais e melhores cuidados de saúde, mais bens culturais, etc.) O ser humano sempre foi impulsionado por isso, porque haveria de mudar agora? E o paradigma do crescimento não começou na era moderna: ocupar um ecosistema, crescer até esgotar os recursos e passar adiante: isso vem desde a pré-história. O que foi mudando foi a tecnologia, e o facto — subsequente — de nos aproximarmos do limite planetário em termos de exploração de recursos. Mas o sistema reequilibrar-se-á, ainda que de modo trágico.
     Também não concordo que a Economia não seja uma ciência: tem tanto de observação externa, medição rigorosa e método científico como qualquer outra ciência (com excepção das "ciências jurídicas" e "do jornalismo"); tem igualmente muita subjectividade e ideologia, mas disso também as restantes ciências sofrem.
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segunda-feira, agosto 24, 2009

notícia do jornal Público     O "bom povo português" dos discursos monoculares de Spínola, tal como o "generoso povo da Madeira", é uma falsificação filosófica que remonta, pelo menos, até ao Iluminismo: são apenas variantes do "bom selvagem" rousseauniano: o homem que nasce todo ele pleno de bons instintos, e que é, depois, "estragado" pela Sociedade (no caso de Rousseau, pela Ciência).
     Embora frases como a do actual primeiro ministro façam sorrir a maior parte de nós, não nos irritam: o que nos irrita são afirmações como a de José Hermano Saraiva, dizendo que em apenas três dias (nos idos de 1506) o "bom povo" de Lisboa e arredores chacinou mais judeus do que a Inquisição portuguesa em todo o tempo da sua lúgubre existência; incluindo bebés: pode lá ser!
     O "povo", por definição, é bom, e só isso é que explica, segundo Sócrates (esse que é afinal o modelo chapado do português suave, que de vez em quando grita e se irrita, mas isso não é ele, foi apenas uma coisa má que lhe passou pela cabeça), que os madeirenses continuem a eleger o sr. Alberto PSD Jardim, apenas para não somar uma humilhação insuportável à chacota que dele faz o País. É muita generosidade, essa, mas compreensível à luz da doce filosofia josé-socrática.
     Não, o voto do generoso povo madeirense não é nenhuma retribuição pela generosidade orçamental cubano-continental. Não, a Matança da Páscoa de 1506 nada tem a ver com o genocídio nazi. O povo é sempre bom. O povo é quase sempre sereno. Leiam as notícias: em Portugal não se lincha ninguém a coberto da noite, só porque esse ninguém é de cor escura e ousou assaltar uma garagem às tantas da manhã. Essa notícia não existe.